Como um cristão pode manter sua fé e seus rituais num mundo cada vez mais secularizado e materialista? Como um americano que professa a fé cristã é capaz de encarar o enorme preconceito vindo da elite cosmopolita? É possível se manter fiel a Jesus Cristo e seus ensinamentos nesse meio insalubre? Essas são as questões colocadas por Matt Walsh em seu primeiro livro, cujo título já mostra a que veio: Church of Cowards [Igreja de covardes]. Trata-se de um chamado de despertar para os cristãos complacentes.
Independentemente da crença ou não em Cristo, o livro é instigante para todo público, ainda que direcionado basicamente aos cristãos. Num mundo em que extremistas de esquerda chegam a pregar a derrubada de estátuas de Jesus por simbolizarem a “supremacia branca”, parece crucial entender o que está em jogo.
As palavras de Walsh são bem duras, um soco na cara daqueles que se dizem cristãos, mas não praticam nada dos ensinamentos de Cristo. Ele abre com uma provocação: alienígenas que desejassem destruir o legado cristão ficariam decepcionados de encontrar seus supostos representantes na América atual, fracos demais, autocentrados e efeminados. A matança nem valeria muito a pena, diz, pois não teria um rival à altura.
Frustrados, esses inimigos iriam embora sem esmagar o estilo cristão de vida, pois não encontrariam nada parecido. Eles descobririam que aquilo que pretendiam eliminar já está morto mesmo, restando somente uma carcaça em seu lugar. “Está claro que nós não vivemos mais numa nação cristã”, constata o autor, mesmo que algo como 70% da população professe ser cristã.
Walsh menciona os casos de perseguição a cristãos mundo afora, amplamente ignorados pela mídia e pelo próprio povo. Quase ninguém liga, mas esses são cristãos verdadeiros, dispostos a morrer pela Igreja, pela fé em Cristo. Só que tudo acontece longe demais para ser notado, tanto em geografia como em experiência. Do conforto da civilização ocidental, os supostos cristãos tomam como garantida a sobrevivência do cristianismo. E nada fazem contra a guerra promovida contra sua Igreja.
A perseguição a cristãos hoje é das maiores da história. Afeganistão, Somália, Sudão, Paquistão, Coreia do Norte, Líbia, Iraque, Iêmen, Irã, Egito: nestes e em tantos outros países os cristãos costumam ser presos, torturados, espancados, estuprados e mortos, além de impedidos de professar com liberdade sua fé. Suas igrejas são destruídas, e muitos precisam arriscar a vida para adorar a Deus em encontros secretos. Eles vivem em constante perigo.
Nada disso soa real para quem vive no conforto americano, tendo de enfrentar apenas idiotas que xingam os crentes. Para Walsh, não há exagero em afirmar que o cristão americano médio nunca abandonou uma só coisa importante por Cristo, mesmo que Ele tenha dito para largar tudo e segui-Lo, abraçar o sofrimento, carregar sua cruz. O cristão moderno, na tranquilidade americana, não parece tão disposto ao real sacrifício por sua fé.
Ao contrário desses casos mundo afora, porém, Walsh diz que ninguém está parando os cristãos americanos além deles próprios. Criam justificativas para não serem religiosos de fato, deixando-se consumir pelo conforto. Um guerreiro de Cristo que não se deixa intimidar, que não se conforma com a passividade, é uma “bomba nuclear” no arsenal divino. Infelizmente, constata o autor, há pouquíssimos com esse perfil no país.
Desta forma o trabalho dos perseguidores de Cristo fica bem facilitado. Basta deixar cada um ser arrogante e cheio de si, acomodado e acovardado, para que a Igreja vá desaparecendo gradualmente, sem luta. A receita tem sido bem-sucedida: “Não apele ao medo deles; apele para sua luxúria, sua preguiça, sua gula, sua vaidade, seu orgulho, seu tédio. E os veja caírem como moscas no fogo”.
A Igreja está morrendo de inanição, de dentro para fora. “O verdadeiro perigo que enfrentamos não é a perseguição cataclísmica e violenta, mas o lento abandono da Verdade. Foi o que aconteceu com a cristandade no Ocidente”. Apatia é a palavra que define melhor os crentes de hoje. Eles criaram uma bolha de autoengano e nela vão flutuando rumo ao Inferno. “O cristão moderno pensa que acreditar que ele é cristão é suficiente para torná-lo cristão”, lamenta Walsh.
Poucos questionam o quanto de fato a fé em Deus é relevante para suas vidas. A maioria mantém essa fé como uma espécie de utensílio esquecido no canto do quarto, uma raquete velha, um tipo de hobby a ser praticado de vez em quando. Falta coragem. A reverência ao sagrado foi retirada das igrejas, cada vez mais locais “agradáveis”, feitos para encontros sociais ou mensagens de autoajuda. Não há sequer mais o silêncio que força um encontro interior, a contemplação, mas sim barulho, muito barulho. “Nossa abordagem casual, falsa e egoísta da fé resultou em desastre”, fulmina Walsh.
Não é preciso ser cristão para apreciar a essência da mensagem do livro. Inseridos num ambiente extremamente secular e mesmo anticristão, o “default” é todos se tornarem mais ou menos seculares e materialistas. Se nem os cristãos forem capazes de remar contra essa maré, para enaltecer o sagrado frente ao profano, então nem há mais razão para temer os inimigos de fora: os valores cristãos, fundadores do Ocidente, já foram deixados de lado pelos próprios ocidentais.
“É fácil ser virtuoso em nosso mundo porque adotamos virtudes fáceis. Aplaudimos a nossa bondade, mas não custa nada ser ‘bom’ nos tempos modernos”, alfineta Walsh. Quando observamos tanta sinalização de virtude nas redes sociais, fica claro que ele tem um ponto. Mas para defender o Bom, o Belo e o Verdadeiro, é preciso muito mais do que isso, do que um “lacre” no Twitter. É preciso coragem, a virtude mais básica, e uma disposição pelo sacrifício em nome da Verdade, o que é algo bem raro. Isso soa incompatível com quem busca autoestima em vez de gratidão a Deus.
O narcisismo da era moderna é um grande aliado de Satã nessa batalha. Para amar Deus e lutar pela Igreja, Walsh entende que é crucial focar naquilo que é eterno, não no efêmero. Quantos estão dispostos a fazer essa escolha?
Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.