Nestes últimos dias de abril, completam-se 100 anos de um dos mais importantes episódios para a conservação da Mata Atlântica. Após longa viagem pelo continente americano, Alberto Santos Dumont adentrou o Brasil em 1916, um ano antes de o país mergulhar na Primeira Guerra Mundial. Já no Paraná, o destino do inventor contumaz foi justamente Foz do Iguaçu. Sorte nossa.

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Para alcançar as Cataratas, espetáculo natural hoje apreciado por 1,5 milhão de turistas ao ano, Santos Dumont enfrentou o lombo de um cavalo por quatro horas. Dependurado em uma árvore sobre o aguaceiro, não entendeu como as terras que abrigam aquele cenário pertenciam na época a uma única pessoa, o uruguaio Jesus Val. Sempre na vanguarda, Santos Dumont logo percebeu que áreas deveriam ser protegidas para o bem comum, como um patrimônio de brasileiros de todas as gerações.

Para alcançar as Cataratas, Santos Dumont enfrentou o lombo de um cavalo por quatro horas

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Determinado a defender as colossais quedas, o aviador partiu para nova jornada, rumo a Curitiba. À época sem estradas ou ferrovias entre as duas cidades, os cavalos entraram novamente em cena. A chamada “Cavalgada Patriótica” exigiu seis dias para se vencer 300 quilômetros até Guarapuava, sempre vizinhando uma linha de telégrafo. Dali, ele seguiu de carro até Ponta Grossa e, depois, alcançou a capital a bordo de um trem.

Com influência e reconhecimento internacionais, Santos Dumont levou ao então presidente do estado do Paraná, Afonso Camargo, o pedido expresso para que as terras que abrigam as Cataratas fossem desapropriadas e declaradas como de utilidade pública. Isso aconteceu em julho de 1916. Duas décadas depois, o governo federal criou o Parque Nacional do Iguaçu. Uma estátua do pioneiro foi lá inaugurada em 1979, próxima ao local que ele havia visitado 63 anos antes.

Santos Dumont não foi o primeiro a exaltar as belezas de Iguaçu, “água grande” na língua indígena. O engenheiro e abolicionista André Rebouças, responsável por obras como a ferrovia que liga Curitiba ao Litoral paranaense, sugeriu um parque nacional na região ainda em 1886. Todavia, a mobilização de Santos Dumont foi decisiva para que a proteção da área tornasse Foz do Iguaçu o segundo destino turístico mais procurado por estrangeiros no Brasil.

Além de sua importância ecológica, abrigando animais e plantas únicos ou ameaçados de extinção, o parque é fonte de recursos para seu entorno. Conforme estudo capitaneado por especialista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, todo ano são movimentados mais de R$ 88 milhões com turismo na região. Já os repasses anuais de ICMS Ecológico a municípios vizinhos alcançam R$ 10 milhões.

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Além disso, fornecimento de água, renovação de solos e controle da erosão, regulação do clima e outros serviços ambientais mantidos pela unidade de conservação foram estimados em mais de R$ 600 milhões por ano. O parque nacional também é reconhecido pelas Nações Unidas como Sítio do Patrimônio Mundial Natural.

Todavia, tamanha importância ainda não afastou ameaças à área protegida. Seus animais seguem na mira de caçadores, usinas hidrelétricas podem impactar seu equilíbrio ecológico e pressões por obras em seu interior ganham força a cada período eleitoral, protagonizadas por políticos incapazes de formular propostas concretas para o desenvolvimento sustentável regional.

Nestes 100 anos da passagem de Santos Dumont pelas Cataratas, que sua memória e seus feitos sigam vivos e fortes, como o próprio Parque Nacional do Iguaçu.

Mario Mantovani é diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica. Aldem Bourscheit é jornalista e mestrando em Desenvolvimento Sustentável-Áreas Protegidas.