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O povo, titular do poder soberano, deve suportar dos governantes qualquer grau de ineficiência, de incompetência, de inaptidão e de corrupção? Parece evidente que não, e que um governante deva ser destituído por vias constitucionais em caso de grave ineficiência, pela perda de sua legitimidade (nenhum governante está autorizado pelo mandato a destruir as bases econômicas e sociais da Nação).

A administração pública cabe ao chefe do Poder Executivo, com o auxílio de pessoas integrantes de seu grupo político, que praticam também atos de governo. Tais atos de governo podem ser desastrosos e completamente dissociados dos valores constitucionalmente determinados, como por exemplo, o direito fundamental à boa administração pública.

Não parece correto que um povo tenham de suportar até o exaurimento de suas forças um governante inepto

A Lei nº 1079/50, que trata dos crimes de responsabilidade, prevê no artigo 9º que são crimes contra a probidade administrativa “infringir as normas legais” e “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. Toda lei precisa ser interpretada no contexto de valores jurídico-constitucionais contemporâneos à sua aplicação. A noção de probidade administrativa em 1950 era absolutamente diversa da noção de probidade administrativa em 2016 (em 1950 a nomeação de parentes para cargos em comissão era natural e rotineira, em 2016 caracteriza ato de improbidade administrativa).

No contexto constitucional contemporâneo há juristas de renome a defender que a grave ineficiência caracteriza ato de improbidade administrativa. Pode-se sustentar, portanto, que a grave ineficiência administrativa (dolosa ou culposa) caracteriza crime de responsabilidade, por violação ao dever de probidade previsto na lei.

Talvez seja o momento de ponderar sobre a adoção de mecanismos constitucionais que possam ser utilizados para afastar um governante, não apenas em caso de crime de responsabilidade (que, repita-se, inclui a grave ineficiência dolosa ou culposa como espécie de improbidade administrativa) do chefe do Poder Executivo, mas também em caso de grave ineficiência ou desonestidade do conjunto da gestão administrativa.

O afastamento de governantes por ineficiência, corrupção, inaptidão ou discordância do povo que o elegeu é realidade em alguns países. Refira-se, por exemplo, ao recall, instituto constitucional pelo qual o povo pode revogar o mandato de um governante a qualquer tempo, quando ocorrer a perda da confiança por atos de má gestão.

Pode-se também cogitar da instituição do parlamentarismo, sistema no qual há uma diferenciação entre a posição de chefe de Estado (a cargo do Presidente ou Monarca) e de chefe de governo (normalmente a cargo de primeiro-ministro). Neste sistema o parlamento pode a qualquer tempo submeter o gabinete ministerial a um voto de confiança ou de desconfiança, situação que implica na destituição do governante e de seu gabinete.

São formulações constitucionais que poderiam ser adotadas – embora repita-se, que a grave ineficiência administrativa constitua violação da probidade para fins de impeachment – para evitar lesões irreparáveis ao interesse público, oriundas da ausência de mecanismos jurídicos que protejam a coisa pública e os interesses legítimos do povo titular soberano do poder.

Não parece correto que um povo e um país tenham que suportar até o exaurimento de suas forças econômicas e sociais um governante inepto ou gravemente ineficiente, que não consegue controlar o nível de corrupção perpetrada pelo grupo político que o apoia, pois no tempo biológico de uma nação a grave ineficiência produz efeitos que podem perdurar por décadas. O Brasil não suporta mais décadas perdidas. É preciso criar ou reforçar mecanismos legais e constitucionais para afastar um governo que se tornou ilegítimo por grave ineficiência administrativa.

José Anacleto Abduch Santos, advogado, procurador do estado, doutor em Direito Administrativo pela UFPR, é professor do Unicuritiba.
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