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O conselho que a ministra Marta Suplicy deu aos viajantes aéreos brasileiros não merece ser repetido. Não por moralismo, nem por excesso de compostura, mas porque se alguém for capaz de relaxar e aproveitar no meio de malas e passageiros espremidos, como animais a caminho do abatedouro, maltratados por empresas aéreas gananciosas e esquecidos por governantes incompetentes, será um caso de hospício, não de motel.

O problema da frase da ministra, da qual ela se desculpou logo que alguém lhe lembrou a burrada que havia cometido, é que revela o mal de que padecem os governantes de algum tempo para cá: eles não vivem em um país real, com seus problemas concretos e sim na fantasia dos gabinetes refrigerados, jatinhos executivos da FAB e alas exclusivas dos aeroportos; viajam em helicópteros que evitam o incômodo de trafegar em estradas esburacadas e insuficientes; freqüentam as áreas de visitantes ilustres dos hospitais públicos e não suas áreas de atendimento e emergência. No dia em que a ministra ou qualquer de seus companheiros da nau dos insensatos entrar num aeroporto congestionado e caoticamente bagunçado, que são a regra brasileira atual, levarem uma estrondosa vaia ou ouvirem um chorrilho de desaforos, pensarão duas vezes antes de fazer graçolas com os viajantes brasileiros. E também com os estrangeiros que nos visitam, apesar dos esforços das autoridades e das empresas aéreas para dissuadi-los de repetir tal aventura no futuro.

Nessa Ilha da Fantasia, vale tudo. Entrevistas dos responsáveis por qualquer tipo de problema têm de ser esmiuçadas em busca da real significação das palavras. Faltam remédios que o governo estadual deveria entregar aos portadores de doenças graves, muitas das quais letais, mas a situação está "praticamente" normalizada, informa a autoridade responsável. Mas o que é o exatamente o "praticamente"? Para alguém cujo tratamento não pode ser interrompido, o advérbio pode ser uma sentença de morte. Outra diz que os medicamentos já foram "comprados". Mas isso quer dizer que já foram entregues, estão disponíveis ou estão percorrendo a via dolorosa da burocracia enquanto que os que dependem deles definham e sofrem? Vivemos a época do "não é bem assim", "não é tão ruim como parece", da "escolha de Sofia", aquela personagem do filme de mesmo nome que tinha de escolher qual de seus dois filhos deveria viver e qual deveria ser enviado a um campo de extermínio. Qual é o doente que ocupará um leito da UTI já que não há para todos? Quem receberá o remédio já que não o há em quantidade suficiente?

Essa situação lança luz sobre duas realidades indiscutíveis. Primeira: quem está crescendo e progredindo no Brasil é o setor privado e as melhorias na vida do brasileiro se devem quase que exclusivamente a seus investimentos na telefonia, nas ferrovias, na economia enfim, gerando renda e emprego. Os governos, tanto o federal quanto o estadual dão uma contribuição pífia. Querem uma prova? Procurem lembrar-se, pacientes leitores, da última grande obra pública – estrada, porto, aeroporto, hospital – que vimos ser inaugurado nos últimos dez anos no Paraná ou em outros estados. Não vale incluir as obras do Panamericano no Rio de Janeiro, pois só um grupo de irresponsáveis coloca bilhões de reais de dinheiro público em um conjunto esportivo, enquanto os serviços públicos estão em frangalhos e a polícia guerreia traficantes em um morro carioca. A propósito, os marines levaram sete dias para vencer a Batalha de Iwo Jima, a mais dura e sangrenta da Segunda Guerra e colocar uma bandeira no cume do monte Suribachi. A da Vila Cruzeiro já está com 45 dias sem hasteamento de bandeira à vista.

E a segunda: quando a economia vai bem, o governo sempre será considerado no mínimo razoável, apesar de tudo o que fizer ou deixar de fazer. Essa é exatamente a situação brasileira e explica a popularidade do governo Lula, pois a economia mundial vive um momento resplandecente, que não era observado há décadas. A demanda dos produtos básicos cresce no mundo, os preços crescem também, o mundo está inundado de dinheiro e o Brasil vai pegando uma carona nessa prosperidade.

Esse nó precisa ser desatado. Já que o Estado não tem mais condições de agir diretamente para modernizar o país, deve no mínimo parar de atrapalhar os que podem fazê-lo. Já se passaram vários anos e as tais Parcerias Público-Privadas não saíram do discurso enquanto a burocracia se esmera em aperfeiçoar o domínio brasileiro na área da biotecnologia animal, inventando novas e sempre mais criativas maneiras de colocar chifre em cabeça de cavalo, de modo a atrasar ou impedir os investimentos necessários.

Ah, e por falar em aeroportos: a Polícia Federal e a Infraero poderiam dar uma mãozinha parando de macaquear os americanos e obrigar passageiros a tirar sapatos, cintos e relógios em sua vigilância de supostos terroristas que, graças a Deus, não costumam ir prosaicamente de Curitiba para São Paulo em avião de carreira. Mesmo porque, se fossem, chegariam atrasados para o atentado.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor universitário.

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