Não se faz omelete sem quebrar ovos. E muitos ovos terão de ser quebrados para que o Brasil não vire uma Grécia no futuro
O casal se dirigia a um evento importante. O marido dirigia. A mulher disse que ele estava indo pelo caminho errado. Ele teimou e disse que sabia o que estava fazendo. A mulher contestou e ele reagiu, nervoso. Ela retrucou incisiva: "Querido, é importante chegarmos na hora e estou certa do que digo; eu conheço bem esse caminho". Irritado, o marido esbravejou: "Eu sei o que faço; não me perturbe!".
Ela respirou e disse com voz suave: "Querido, talvez você esteja certo. Acho que não tenho tanta certeza assim; então vamos por seu caminho, sem pressa". Após um tempo, ele parou e perguntou a um transeunte onde ficava o tal lugar do evento. A resposta foi: "O senhor pegou a direção oposta; faça retorno, volte e vire à direita". Irritado, o homem refez o percurso e chegaram ao local... com uma hora de atraso.
De volta a casa, mais calmo, o marido perguntou à mulher por que ela não insistiu, já que ela estava certa. A resposta: "Querido, eu sabia que estava certa. Mas, se eu insistisse você iria se irritar mais do que já estava e acabaríamos brigando feio. Assim, eu preferi concordar com você porque, entre ter razão e ser feliz,... eu prefiro ser feliz".
Parece que, na opção entre "estar certo" e "ser feliz", alguns políticos brasileiros resolveram ser felizes. Ou seja, resolveram iludir para agradar. A historinha acima pode servir aos propósitos do bom relacionamento entre marido e mulher, mas quanto aos graves problemas públicos, fugir de medidas impopulares pode ser apenas um caminho para levar esse mesmo povo ao desastre econômico. A Grécia é o melhor exemplo do que pode acontecer com um país onde governos demagogos gastam mais do que arrecadam durante 40 anos.
Socorro-me do genial filósofo Arthur Schopenhauer que, a respeito, disse o seguinte: "A descoberta da verdade objetiva deve ser separada da arte de conseguir que uma proposta seja aceita e aplaudida, uma vez que a verdade objetiva é uma questão completamente diferente: ela é o terreno do julgamento profundo, da reflexão e da experiência". Pois bem, os políticos (não todos, claro) já abusaram demais da decisão de não encarar com as armas da razão o principal problema do Brasil nos próximos anos: a bomba previdenciária.
Dados recentes revelam que 23,5 milhões de beneficiários do INSS provocam um déficit anual de R$ 44 bilhões, enquanto apenas 1 milhão de funcionários públicos aposentados e pensionistas causam um rombo de R$ 52 bilhões/ano. A presidente Dilma afirmou que vai trabalhar para que seja aprovado o projeto de lei em tramitação no Congresso desde 2003 sobre novas regras para a previdência do setor público. Pela proposta, os funcionários que entrarem no governo após a aprovação da lei receberiam, do tesouro público, aposentadoria igual ao teto do INSS e o complemento viria de um fundo de previdência complementar, nos moldes dos fundos de pensão do Banco do Brasil e da Petrobras.
A expectativa média de vida está aumentando, a relação entre pagantes e aposentados vem decrescendo e a manutenção de um regime para os servidores públicos (com aposentadoria integral e as pensões mais generosas do mundo) e outro para os trabalhadores privados (submetidos aos achatados benefícios do INSS) são partes de um sistema insustentável. Um exemplo do descalabro está no que o ministro da Previdência, Garibaldi Alves, chamou de "frouxidão total", referindo-se à concessão de pensões por morte. O ministro cita o caso de um casal de promotores que, após a morte do marido, a mulher passou a acumular seu salário com a pensão, equivalente a praticamente o salário integral dele.
A tática de iludir para ser aplaudido pode render votos no curto prazo, mas é receita para afundar as finanças do governo, além de manter um sistema injusto que convive com privilégios condenáveis. O tema é impopular e defender sua reforma atrai a ira da CUT e de uma legião de beneficiários do atual sistema. Não se faz omelete sem quebrar ovos. E muitos ovos terão de ser quebrados para que o Brasil não vire uma Grécia no futuro.
A presidente Dilma afirma que vai enfrentar o problema. Ela pode amargar impopularidade momentânea, mas, se conseguir colocar um mínimo de racionalidade na Previdência Social brasileira, a história irá lhe fazer justiça.
José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.
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