Um cidadão consciente deve sempre olhar dentro do vaso sanitário para saber quem é em profundidade.
Sinto dizer ao meu leitor, mas esta coluna de hoje, talvez, venha a feder um pouco. Coisas desse nosso mundo contemporâneo. Sinto muito. Impossível evitar.
Vivemos num mundo ridículo, como costumo dizer, que em 500 anos será esquecido. Não teremos mais do que um pequeno parágrafo nos tratados de história. Nós, cheios de nossas frescuras, mimimis, direito a isso e àquilo, enfim, uns mimados.
No futuro, nossos descendentes olharão para nós com a mesma condescendência com que olhamos para a moçada que cultua a chuva. E não terão nenhuma paciência para nossas frescuras.
Mas, antes de irmos à matéria indigesta de hoje, preciso fazer um reparo filosófico. O que é o Iluminismo? O Iluminismo é um movimento filosófico do século 18 que, em uma das suas faces mais conhecidas, o utilitarismo, foi marcado pela obsessão da melhoria da condição de vida informada pela ciência e pela técnica.
Um derivado direto dessa obsessão é a ideia de que, se as pessoas forem “bem informadas”, a vida delas ganhará em “qualidade”. Essa ideia tomou conta de tudo, da TV aos encontros motivacionais do mundo corporativo.
Aqueles mesmos que visam fazer as pessoas acharem que está tudo lindo se um guru em gestão disser que está tudo lindo. Emociona-me quando ouço alguém falar que não está interessado em melhorar minha qualidade de vida. Das novelas aos jornais, tudo um bando de gente chata pregando o bem.
Dito isso, voltemos ao fedor. Para isso, vou contar um fato que me aconteceu poucos dias atrás. Estava eu, minha família e alguns amigos tomando café da manhã numa padoca no interior de São Paulo. Infelizmente, na padoca, uma TV estridente mostrava um “programa de qualidade de vida”. E qual era o conteúdo “científico” desse programa? Antes, um detalhe.
Tenho um amigo bem esquisito que há anos diz que um dia esses caras de qualidade de vida iriam querer nos ensinar a “fazer cocô de forma saudável”. Normalmente, consideraríamos essa fala um simples delírio de um cara esquisito. Mas eis que ele acertou em cheio. Foi profético e com isso nos ensina uma nova máxima sobre o mundo contemporâneo: aposte no ridículo e você será um profeta do século 21.
Bem, finalmente, o fato. Ainda suspeito que talvez eu tenha entendido mal o que vou contar. Um delírio, talvez? Pode ser. Recomendo a dúvida cética diante do que vou narrar.
O programa de qualidade de vida era um programa que parecia entrevistar pessoas que falavam de seus hábitos de banheiro. Dito de forma direta: formas saudáveis de fazer cocô. Sim, meu caro. Sim, minha cara. Tape o nariz. Ou talvez não. Afinal, sendo tudo natural, a merda é tão natural como um beijo na boca.
Assim pensam os novos naturalistas da saúde total. Se para alguns maníacos “eu sou o que eu como”, por que não “eu sou o que eu cago?”.
Na telinha, depois de cenas de pessoas no local em questão, falando sobre seus hábitos fecais, assim como quem conta viagens para a Disney, um especialista mostrava pequenos montinhos de massinhas que simulavam tipos de fezes. Claro, tudo cientificamente fundamentado. Fezes X isso, fezes Y aquilo. Terei eu entendido errado?
Como se tratava de um programa de TV, só podemos imaginar que a produção não viajou na maionese e esse tipo de informação vai bem com o café da manhã das pessoas. Afinal, tudo é natural, não?
Logo, um cidadão consciente, que vota bem e recicla lixo, que respeita o meio ambiente e usa transporte público, deve também saber fazer cocô de um jeito saudável. E mais: deve sempre olhar para dentro do vaso sanitário para saber quem ele é em profundidade.
Imagino sites especializados em tipos de cocô fazendo de nós cidadãos bem informados acerca de nossas fezes. Isso é mais do que simples consciência social. Isso deve ajudar você a não ter hemorroidas e a gastar menos com saúde e também a fazer o Estado gastar menos com você.
Imagino um mundo com campanhas a favor da “merda consciente”. Fotos no Instagram? Como não pensar que meus queridos românticos acertaram em cheio, quando pressentiam que o Iluminismo ia dar em merda?
Luiz Felipe Pondé, escritor, filósofo e ensaísta, é doutor em Filosofia pela USP e professor do Departamento de Teologia da PUC-SP e da Faculdade de Comunicação da Faap.
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