À medida que os terríveis acontecimentos se desenrolam em Israel e em Gaza, é provável que os historiadores considerem o ataque surpresa do Hamas como análogo ao fracasso épico da Linha Maginot francesa na Segunda Guerra Mundial. Imediatamente após o surgimento de terroristas do outro lado da fronteira, em 7 de Outubro, surgiu a questão: como é que isso aconteceu, especialmente tendo em conta que a “Muralha de Ferro” de Israel na fronteira de Gaza era considerada a barreira tecnologicamente mais avançada do mundo e estava emparelhada com a igualmente barreira de alta tecnologia de defesa antimísseis, o “Domo de Ferro”?
As futuras análises pós-ação provavelmente produzirão algumas respostas inesperadas, mas é provável que uma lição aprendida seja sobre o que poderíamos chamar de sedução da tecnologia. A conclusão do Domo de Ferro, há uma década, foi seguida por vídeos nas redes sociais de interceptações bem-sucedidas de mísseis que se aproximavam. A cobertura aduladora da imprensa também se seguiu à conclusão, em 2021, da Muralha de Ferro de US$ 1 bilhão [R$ 5,05 bilhões, na cotação atual], com 6 metros de altura e 64 quilômetros de comprimento, ao longo da fronteira Israel-Gaza. Foi uma maravilha de “defesa em profundidade”, combinando tecnologia convencional, incluindo um muro de concreto, que se estende a uma profundidade secreta abaixo da superfície para evitar túneis, e câmaras, radares, sensores e drones. Em 1940, a Linha Maginot de US$ 3 bilhões (em dinheiro de hoje) [R$ 15,12 billhões] da França também era uma maravilha de proeza tecnológica e “defesa em profundidade”.
As muralhas têm sido um elemento de fortificação defensiva no Médio Oriente há eras. Na verdade, a muralha de Jericó, com 10 mil anos de idade, é “uma das mais antigas” fortificações conhecidas. Portanto, os especialistas militares não são estranhos às vulnerabilidades dos muros altos ou “inteligentes”. É difícil evitar a conclusão de que muitos no nosso tempo não só foram distraídos por outras prioridades, tanto militares como civis, mas também levados ao excesso de confiança pela tecnologia.
Durante anos, Israel foi (merecidamente) aclamado como a “Nação da Inovação do mundo”, inclusive pelo seu próprio consulado. Grande parte da cobertura da imprensa no início deste ano, por ocasião do 75º aniversário da independência de Israel, centrou-se na capacidade tecnológica descomunal desta pequena nação. Israel possui a “maior porcentagem de cientistas e engenheiros per capita” e inúmeras empresas líderes mundiais em tecnologia, desde startups a gigantes. Não será surpreendente se mais tarde descobrirmos que o excesso de confiança na tecnologia caracterizou muitos decisores políticos e analistas estratégicos. Isto não é uma crítica aos israelenses; vivemos em meio a uma pandemia global de pensamento mágico quando se trata de tecnologia, principalmente no domínio militar.
Em um livro inspirador, The Dynamics of Military Revolution: 1300–2050 [NT: As Dinâmicas da Revolução Militar] – cujo título fala da natureza duradoura deste assunto – os autores MacGregor Knox e Williamson Murray, historiadores militares e veteranos das forças armadas dos EUA, desvendam como a tecnologia infundiu processos de pensamento em torno da guerra, especialmente nas últimas décadas. Publicado em 2001, um mês antes do 11 de Setembro, o livro ofereceu uma conclusão preventiva de que a “atual pausa estratégica – como a abençoada paz armada europeia de 1871 a 1914 – provavelmente não durará”.
Knox e Murray mencionam Clausewitz, tal como a maioria dos historiadores militares, citando um aforismo particularmente popular de que “a melhor estratégia é sempre ser muito forte”. Mas esta obviedade, observam eles, pode levar à crença de que a tecnologia pode oferecer uma “vantagem esmagadora”, enquanto a realidade é que “as vantagens que produzem uma vitória duradoura apareceram apenas raramente na história da guerra”. Em vez disso, observam eles, a história mostra que “mudanças políticas, sociais e econômicas” trazem verdadeiras revoluções militares, em vez de “assimetrias tecnológicas previsíveis e domesticadas”. Knox e Murray observam que muitos dos que escreveram sobre revoluções tecnológicas em assuntos militares “demonstraram uma surpreendente falta de consciência histórica”. A tecnologia, concluem eles, “seduz todos os que examinam o passado militar”.
A tecnologia também exerce uma sedução psicológica. Embora seja o motor essencial do crescimento econômico e da prosperidade a longo prazo, o progresso tecnológico pode gerar um otimismo ingênuo sobre as perspectivas de criação de condições para uma espécie de paz permanente. Nos primórdios da Internet, os especialistas viam-na como uma força para o bem quase inalterado. Há um século, os analistas fizeram previsões semelhantes sobre o telégrafo, uma revolução em muitos aspectos mais importante do que a Internet, porque permitiu a comunicação à velocidade da luz depois de milhares de anos durante os quais a informação não se movia mais rapidamente do que a velocidade de um cavalo. Os escritores da época eram rapsódicos: “é impossível que antigos preconceitos e hostilidades continuem a existir, enquanto tal instrumento tenha sido criado para a troca de pensamentos entre todas as nações da terra.”
Mais um exemplo de sedução tecnológica: na primeira década do século XX – uma época de florescimento tecnológico semelhante ao nosso – as revoluções na química, na eletrificação e nos transportes inspiraram Norman Angell, um parlamentar britânico e vencedor do Prêmio Nobel da Paz, a ficar eufórico com o fato de que a globalização impulsionada pela tecnologia tornaria obsoleto o “conflito entre grandes potências”. Mais do que algumas guerras se seguiram. Nada na ciência e na tecnologia promete acabar com a capacidade da humanidade para fazer o mal e para a guerra. Como observou o historiador John Keegan, a guerra é “sempre uma expressão da cultura, muitas vezes um determinante das formas culturais; em algumas sociedades, a própria cultura”.
O escritor de ficção científica Arthur C. Clarke cunhou uma das máximas preferidas dos analistas de tecnologia: “qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia”. Embora a tecnologia possa proporcionar vantagens decisivas no comércio e na guerra, nunca é mágica. Em vez disso, o espanto pela tecnologia pode levar a uma miopia sutil, que só se torna óbvia em retrospectiva. Quando a atual conflagração no Oriente Médio tiver passado, talvez a sorte e uma liderança sóbria tragam outra “paz armada abençoada”. Mas, por enquanto, estamos perante um teste não de tecnologia, mas de antigas capacidades de determinação militar e, em última análise, de estadismo.
Mark P. Mills é pesquisador sênior do Manhattan Institute, parceiro estratégico do fundo de risco em tecnologia energética Montrose Lane, autor do livro The Cloud Revolution: How the Convergence of New Technologies Will Unleash the Next Economic Boom and a Roaring 2020s [A revolução da nuvem: como a convergência de novas tecnologias desencadeará o próximo boom econômico e uma década de 2020 estrondosa], e apresentador do podcast The Last Optimist [O Último Otimista].
© 2023 City Journal. Publicado com permissão. Original em inglês: Illusions of Security
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