Estamos no início de um novo governo e de uma nova década cheia de desafios estimulantes. Trata-se agora de transladar esses desafios e ideias em políticas e práxis! É tempo de agir
De acordo com o Fórum Econômico Mundial (2009), as doenças crônicas não transmissíveis (doenças cardiovasculares, diabetes melito, obesidade e câncer) estão entre as ameaças mais severas ao desenvolvimento econômico mundial, pois têm um potencial deletério maior do que crises fiscais (Europa e EUA) e catástrofes naturais (Haiti e Brasil). Essas doenças estão intrinsecamente ligadas à globalização, urbanização acelerada, envelhecimento e mudanças no estilo de vida das populações.
Hoje sabemos também que a doença crônica mais democrática que acomete a humanidade é o diabetes melito (DM), pois ocorre em todas as classes sociais, em todas as raças e em ambos os sexos, indistintamente. Como se isso não bastasse, DM está entre as doenças mais impactantes e fragilizantes em termos de qualidade e quantidade de vida, pois é líder mundial como causa de cegueira, diálise, amputação não traumática de membros inferiores e problemas nos nervos periféricos como dores severas e úlceras nos pés (neuropatia diabética).
Em pleno início da segunda década do século 21 penso que é uma boa oportunidade, não só para refletirmos sobre o que ocorreu na última década com a chamada "epidemia" de DM e obesidade, mas principalmente para prevermos os desafios dos próximos 20 anos e quais as melhores estratégias para enfrentá-los.
A prevalência de DM no mundo vem aumentando em proporções alarmantes. Nos próximos 20 anos, estima-se um aumento de 54% na prevalência de DM entre adultos no mundo (de 284 milhões em 2010 para 438 milhões em 2030), segundo dados oficiais da Federação Internacional de Diabetes (IDF, sigla em inglês). Esse aumento está bem acima do crescimento esperado para a população mundial de adultos (entre 20 e 79 anos) nos próximos 20 anos: de 4,3 bilhões para 5,6 bilhões, ou seja, um aumento de 25%.
A perspectiva para a América Latina parece pior do que a média mundial, pois o aumento será de 65%, saltando de 18 milhões de adultos com DM em 2010 para 29,6 milhões em 2030. Ora, o Brasil representa em torno de 70% desses atuais 18 milhões (ou aproximadamente 12 milhões de indivíduos diabéticos) e dados recentes mostram que, de 1996 a 2007, houve um crescimento de 10% na mortalidade por DM em nosso meio, enquanto a mortalidade cardiovascular diminuiu 26%.
Já em relação aos gastos com DM na América Latina, a situação não é menos crítica: estima-se que haverá um aumento de 60% nos próximos 20 anos, passando dos atuais U$ 8,1 bilhões/ano para U$ 13 bilhões/ano em 2030 (dados da IDF 2010). Os custos em longo prazo do tratamento do DM e de suas complicações (infarto, derrame, cegueira, diálise, amputação e neuropatia) bem como o impacto negativo na produtividade laboral (absenteísmo e aposentadoria precoce) exercem efeitos devastadores na situação econômica dos indivíduos, das famílias e das sociedades.
Abordar esses desafios exige uma intervenção tanto proativa quanto preventiva. Particularmente no Brasil, necessitamos de estratégias criativas e inteligentes que sejam não apenas realizáveis, mas principalmente acessíveis às populações mais fragilizadas (de baixa renda). Estes são (in)justamente os que têm menor possibilidade de acesso aos medicamentos mais modernos e mais eficazes (com maiores custos e ainda não disponíveis na rede pública ou como genéricos).
Assim, gostaria de dividir a abordagem da prevenção em três frentes que formam uma trilogia com as três letras D, E e F:
1) Detecção precoce do DM e de suas complicações, pois é fato que quanto mais cedo descobrirmos a doença, maior é a chance de prevenirmos ou, pelo menos, retardarmos suas complicações; 2) Educação para a prevenção, tanto do DM como da obesidade (70% a 80% dos diabéticos do tipo 2 o mais comum são obesos); 3) abordar a família de todo indivíduo diabético ou obeso, não só em relação à dieta saudável e à atividade física, mas principalmente em relação a acolher suas angústias e sofrimentos, bem como subsidiar seus problemas econômicos.
Felizmente em nosso meio já temos várias iniciativas nesse sentido como o programa "Diabetes nas Escolas" lançado em 2009, os diversos programas da Anad (Associação Nacional da Assistência ao Diabético), o projeto "Salvando o Pé Diabético" e o Programa Saúde da Família (PSF). Essas iniciativas necessitam ser apoiadas, aprimoradas e disseminadas em todos os municípios do Brasil.
Uma questão importante e pouco abordada no Brasil refere-se aos impostos que incidem direta ou indiretamente sobre todo indivíduo diabético. Como se não bastasse a doença em si, o impacto econômico do DM sobre o orçamento das famílias brasileiras é avassalador. Nos Estados Unidos há dados confiáveis de que cada indivíduo diabético gasta, em média, U$ 6 mil anuais com o seu tratamento (o equivalente a R$ 10 mil ou 19 salários mínimos por ano). Assim, uma ideia interessante seria que os diabéticos não pagassem tantos impostos e pudessem investir mais na prevenção de suas complicações.
Enfim, estamos no início de um novo governo e de uma nova década cheia de desafios estimulantes. Trata-se agora de transladar esses desafios e ideias em políticas e práxis! É tempo de agir!
Luiz Clemente Rolim, mestre em Endocrinologia pela Unifesp EPM, é coordenador do Setor de Neuropatias do Centro de Diabetes da Unifesp EPM, membro efetivo da American Diabetes Association (ADA), da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD) e da Sociedade Brasileira de Clínica Médica (SBCM), e ex-Fellow da Yale University. Site: www.clementerolim.med.br. E-mail: rolim77@terra.com.br
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