Muitas reflexões têm sido feitas a respeito do sistema de bem-estar social do país, como a previdência, assistência social e saúde. Tornou-se praticamente consensual a ideia de que o crescimento da população de faixa etária mais elevada, ou seja, o envelhecimento natural da população, colocaria em xeque o equilíbrio econômico dos sistemas de saúde.
O risco de ficar doente e demandar por serviços médicos sempre está presente na vida de todos, mesmo diante dos inegáveis avanços da medicina. Neste sentido, a construção de sistemas (público ou privados) que privilegiem o mutualismo é uma interessante concepção para reduzir riscos individuais. Especificamente na saúde, a mutualidade plena se caracteriza por três tipos de transferências de subsídios cruzados entre os participantes: os detentores de maior parcela de renda subsidiando os mais pobres através de impostos (este primeiro presente somente para os sistemas públicos); jovens subsidiando os idosos; indivíduos saudáveis subsidiando os doentes.
Num contexto de envelhecimento populacional, fica evidente que o sistema entraria em colapso caso não houvesse o terceiro mecanismo de subsídios, ou seja, a predominância de indivíduos sadios. A qualidade de vida dos cidadãos (jovens ou idosos) passa a ser deste modo uma condição crucial à sobrevivência do aparelho de saúde.
Um artigo publicado no The New Zealand Medical Journal mostra que uma análise dos custos com a saúde ao longo da vida revela um perfil de gastos elevados nos primeiros anos, que depois regridem e novamente passam a aumentar ao decorrer do tempo, acelerando consideravelmente no último ano. Uma conclusão importante é que a elevação das despesas no último ano de vida, especialmente as de natureza hospitalar, ocorrem independentemente da faixa etária em que esteja o indivíduo.
Essas conclusões sobre o perfil de gastos com a saúde associados ao inevitável envelhecimento populacional, sugerem que se este processo for acompanhado de políticas de prevenção de doenças e de promoção de hábitos saudáveis, pode paradoxalmente se constituir num pilar da sustentabilidade dos sistemas de saúde. Considerando que os gastos elevam exponencialmente no último ano de vida, o sistema passaria a contar com indivíduos hígidos e produtivos em maior período, o que reforçaria a mutualidade e por extensão a viabilidade do sistema.
No jogo de hoje, as discussões sobre a sustentabilidade do sistema têm se concentrado mais na redução de despesas ou na ampliação de receitas. Do ponto de vista do público, a pressão é para a não elevação das contribuições, ao passo que para os operadores do sistema as reivindicações se concentram no controle dos custos. O desafio para o futuro é, portanto, vislumbrar oportunidades que possam criar uma convergência entre os diferentes atores, resultando num jogo de soma positiva.
Deste modo, uma oportunidade oferecida pelos inevitáveis efeitos do envelhecimento sobre o sistema é desenvolver políticas fundadas em novas linhas de cuidado, medicamentos, exames e tecnologias ligadas à promoção da saúde, bem-estar e à prevenção de doenças. Assim reunidas, essas políticas têm a potência de transformar um jogo de soma nula em resultados positivos. O aumento da longevidade (naturalmente interessante ao público) pode ser também uma excelente oportunidade para os operadores do sistema, já que uma vida longa e saudável torna as receitas superiores às despesas.
O dia do idoso que se aproxima nos leva a pensar que, paradoxalmente, o envelhecimento populacional pode oferecer uma interessante oportunidade à garantia do mutualismo como pedra angular da arquitetura do sistema de saúde do Brasil.
João Matos é professor de economia na Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio.
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