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Cotidianamente, milhões de brasileiros desfrutam de uma ampla variedade de produtos e serviços essenciais, abrangendo desde cuidados com a saúde e alimentação até lazer, produtos domésticos e vestuário, entre outros. O setor varejista desempenha um papel crucial na disponibilidade e acessibilidade desses bens e serviços, sendo um dos pilares fundamentais da economia brasileira e da vida em sociedade.
Como principal interface entre produtores e consumidores, o varejo não apenas impulsiona a atividade econômica, gerando empregos e contribuindo para o crescimento do país, mas também influencia diretamente a qualidade de vida da população, ao fornecer produtos e serviços que atendem às necessidades cotidianas das pessoas.
Dada a importância deste setor para o desenvolvimento do país, e tendo em vista o atual cenário econômico turbulento para as empresas varejistas, caracterizado pelo aumento substancial dos pedidos de recuperação judicial, é natural que a iminência de uma Reforma Tributária gere legítima apreensão e expectativas – fato que torna o momento oportuno para um debate qualificado sobre o assunto. Nesse contexto, é fundamental avaliar os possíveis impactos da reforma nas alíquotas e na carga tributária das empresas, bem como entender quais oportunidades o novo sistema tributário pode trazer para o setor.
De acordo com estudos conduzidos pelo Banco Mundial, as companhias brasileiras despendem, em média, 1.501 horas anualmente no procedimento de quitação de tributos. Esse período, abarcando a elaboração, declaração e pagamento, excede o de qualquer outra nação, o que coloca o Brasil em uma posição de liderança no cenário internacional em termos de complexidade fiscal. Essa conjuntura incorre na diminuição da competitividade das empresas e a manifestação de distorções entre os estados, aumentando, assim, a complexidade e os obstáculos enfrentados pelo setor empresarial.
As propostas que tramitam atualmente no parlamento brasileiro têm como objetivo simplificar a cadeira tributária brasileira a partir da criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), um imposto agregado que substituiria pelo menos cinco impostos existentes atualmente, a saber: PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI.
A possibilidade de uma simplificação do sistema tributário brasileiro é uma perspectiva animadora para o setor varejista, principalmente devido à promessa de redução de custos. A simplificação desse sistema poderia eliminar burocracias excessivas, reduzir a carga tributária e proporcionar maior clareza e previsibilidade para as empresas. Ao reduzir os custos relacionados aos impostos, o setor varejista poderia direcionar recursos financeiros para investimentos, expansão, modernização de infraestrutura e até mesmo para a melhoria dos produtos e serviços oferecidos aos consumidores.
Com base na proposta da Reforma Tributária no âmbito do comércio varejista, considera-se imprescindível estabelecer uma alíquota uniforme para o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) que incidirá sobre todos os bens e serviços, acompanhada de uma legislação e regulamentação harmonizadas. A implementação de uma alíquota única desempenha um papel fundamental na distribuição mais equitativa da carga tributária entre os diversos setores da economia. Adicionalmente, ao adotar um sistema que permite o aproveitamento integral dos créditos tributários, o IVA se torna não cumulativo e aplicável exclusivamente ao consumo final, excluindo suas implicações sobre exportações e investimentos.
simplificação e unificação dos impostos incidentes sobre o consumo, sem dúvidas, têm o potencial de reduzir significativamente a burocracia no contexto do comércio varejista, tornando-o mais acessível e eficiente. Entretanto, a alíquota do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) demanda atenção especial por parte do setor varejista, já que a imposição de uma alíquota elevada, em torno de 25%, pode acarretar um risco considerável. Essa possibilidade de alíquota elevada pode ter um impacto particularmente significativo no ramo do varejo alimentício.
Caso a alíquota do IVA atinja o patamar mencionado, o varejo alimentício enfrentaria desafios significativos. O setor já opera com margens apertadas e uma alta carga tributária pode comprometer ainda mais sua rentabilidade. Os produtos alimentícios, especialmente os de primeira necessidade, têm uma demanda inelástica, ou seja, uma variação significativa nos preços pode não resultar em uma redução proporcional na quantidade demandada pelos consumidores. Nesse contexto, o aumento dos custos decorrente de uma alíquota elevada de IVA seria repassado para os preços finais dos produtos, impactando diretamente o bolso dos consumidores e potencialmente afetando seu padrão de consumo.
Com base na análise dos possíveis riscos e oportunidades para o setor varejista decorrentes da Reforma Tributária, é evidente que essa transformação representa um desafio para as empresas do ramo, principalmente devido à possível redução de incentivos fiscais, incluindo o mais relevante deles, os créditos relacionados ao ICMS.
No entanto, é importante ressaltar que os efeitos concretos dessa reforma ainda não são claros, uma vez que seu objetivo é alcançar uma neutralidade na arrecadação de impostos, embora gere efeitos distintos para cada segmento da cadeia varejista. Além disso, há de se ressaltar que uma redução da carga tributária nas cadeias produtivas e uma simplificação do sistema de arrecadação de impostos no país seriam mudanças muito bem-vindas ao ambiente de negócios.
Por fim, embora a Reforma Tributária represente riscos significativos para os resultados das varejistas, é possível enxergar um horizonte de oportunidades à medida que as empresas se adaptarem às mudanças e explorarem as vantagens proporcionadas pela simplificação e revisão estratégica em termos tributários. Com uma abordagem cuidadosa e adaptável, o setor varejista poderá enfrentar os desafios impostos pela reforma e, ao mesmo tempo, encontrar meios de otimizar sua posição competitiva no mercado.
Vicente Alvarez é sócio no FNCA Advogados, especialista em Direito Tributário.