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Para Platão, o ideal de governo seria aquele dos “reis-filósofos”, ou seja, de homens esclarecidos. Já para Aristóteles, o melhor seria um “governo das leis”, justamente para impedir os arbítrios das paixões humanas. A história do liberalismo pode também ser vista, em resumo, como a luta por um governo cada vez mais de leis, não de homens.

Isso é um norte a guiar as ações dos governantes, claro, pois sempre haverá algum espaço para decisões subjetivas. Mas os liberais e conservadores sempre entenderam a importância de um conjunto de regras isonômicas, válidas igualmente para todos. A igualdade que defendem é aquela perante as leis, não a de resultados, como querem os socialistas.

Nesse sistema, conhecido como rule of law, todos seriam tratados da mesma forma, com base no mérito e em suas atitudes, não na origem social, na cor, raça ou credo. Por isso a imagem da Justiça com os olhos vendados: ela não vê cara; ela julga o ato. Reduzir o grau de arbítrio do governo sempre foi uma bandeira liberal das mais importantes, e foi nos Estados Unidos que mais se chegou perto desse ideal.

A igualdade que liberais e conservadores defendem é aquela perante as leis, não a de resultados, como querem os socialistas

Hoje esse “império das leis” se encontra ameaçado na América também. A decisão do FBI de não abrir processo contra Hillary Clinton por causa dos e-mails ultrassecretos pegou muitos de surpresa. Afinal, todo o discurso de seu diretor foi na linha de incriminar a candidata democrata. Não houve a intenção de divulgar informações sigilosas para prejudicar o país, alegou, mas houve negligência, que seria punida em “circunstâncias diferentes”.

Traduzindo: não fosse uma Clinton e uma candidata a presidente, então a reação seria outra. Como assim? Quer dizer que há uma lei para as “pessoas comuns” e outra para os poderosos do establishment? Para nós, latino-americanos, isso é a coisa mais normal do mundo. Basta lembrar de Lula afirmando que Sarney não era um “homem comum”. Mas os americanos costumavam levar mais a sério o conceito de igualdade de todos perante as leis.

Para piorar, há situações estranhas nesse caso todo, que remetem a uma republiqueta, não ao padrão americano. Como, por exemplo, o encontro “fortuito” em um aeroporto entre Loretta Lynch, a procuradora-geral, e o ex-presidente Bill Clinton. Eles teriam conversado sobre netos, diz ela, mas não se trata de um encontro muito republicano. Parece até coisa de Brasil petista...

Hillary teria, ainda, dado a entender que poderia manter Loretta no cargo se fosse eleita. Donald Trump entendeu isso como tentativa escancarada de suborno: se a procuradora-geral quer preservar seu emprego, então é melhor pensar duas vezes antes de decidir contra Clinton. Esse tipo de postura não é condizente com a visão republicana. O que está acontecendo com a América?

Obama, quando foi eleito, disse que queria transformar “fundamentalmente” seu país. Quem ama não quer mudar a essência da amada. Obama não amava a América, aquele experimento liberal com viés conservador. Já Lula ele considerava “o cara”, como disse certa vez. Isso diz muito sobre as mudanças radicais acontecendo no país e o motivo de tanta revolta com Washington, o que tornou a ascensão de Trump possível.

Com a esquerda no poder, o capitalismo se tornou mais de compadres que de livre concorrência. O Estado virou mais paternalista, distribuindo esmolas. E as regras passaram a valer mais para uns que para outros. Tudo isso combina mais com a América Latina que com os Estados Unidos. É por isso que tantos americanos estão revoltados. É por isso que Hillary precisa perder.

Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.
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