Assistimos a uma transformação notável na maneira como a sociedade valoriza o pensamento e a interação com informações. Anteriormente, numa era que podemos chamar de “fosfato de pensamento”, o raciocínio profundo e a reflexão crítica eram altamente estimados. Hoje, porém, vivemos sob o “império enganoso da dopamina”, onde predominam as gratificações imediatas e superficiais.
Aqui se perde o eixo do que chamamos de vocação. Envolve-se menos com algo, envolve-se pouco com muito e não há relação suficiente para geração de reconhecimento e identificação. Nos relacionamos menos com a nossa origem, nos desconectamos de onde estamos e ficamos sem caminho para construir o nosso “para onde vamos”, a parte do nosso destino que é desenvolvida por nós. Nos perdemos em nós mesmos, pela inundação de pseudo possibilidades. Uma sociedade que eu chamo de “tutti fruti”, que não consegue distinguir o que é o que, mas acha-se tudo “gostosinho” – enquanto não acaba o gosto, é claro.
O indivíduo pode se tornar reticente em buscar desafios mais significativos ou envolver-se em atividades que demandam um investimento mental ou físico mais substancial
Elementos como curtidas em redes sociais, notificações instantâneas e conteúdos rapidamente consumíveis são engenhosamente projetados para acionar a liberação de dopamina, cativando-nos a permanecer atrelados a plataformas e atividades que premiam esforços mínimos com gratificação imediata. Tal mecanismo fomenta uma passividade perigosa, onde o indivíduo pode se tornar reticente em buscar desafios mais significativos ou envolver-se em atividades que demandam um investimento mental ou físico mais substancial. Este cenário desafia a noção tradicional de engajamento e produtividade, colocando em questão a qualidade e a profundidade de nossas interações e realizações no mundo moderno. E a pergunta fica… será que se produz? Se sim, o que?
Estamos aceitando não sermos nós mesmos, entramos num ciclo vicioso de autenticidade coletiva. Achamos que estamos sendo autênticos, quando estamos somente nos familiarizando com um grupo de pessoas que possuem o mesmo set de entregas no algoritmo. Academias, trends, e muito mais…. Pessoas achando que são autênticas, mas estão somente se enquadrando numa embalagem pasteurizada. Ou seja, se torna ser sobre o que você aceita o seu cérebro fazer com você. Não se desenvolve personalidade. Sem personalidade definida, fica muito difícil desenvolver a identidade produtiva que nos guia como um norte a ser seguido, aquilo que nos motiva a construir os nossos objetivos de vida.
A dopamina, um neurotransmissor ligado ao prazer e à recompensa, tem um papel crucial em nosso sistema de recompensa cerebral. Ela é liberada em atividades prazerosas, que vão desde comer um doce até receber curtidas nas redes sociais. Esta busca incessante por prazer tem reformulado profundamente nossas interações sociais e nosso consumo de informação, favorecendo o entretenimento rápido e acessível em detrimento de conteúdos que demandam maior profundidade e reflexão.
Isso causa um impacto determinante nas buscas inerentes à nossa existência, dano irreparável na verdadeira motivação. A busca por recompensas é fruto do esforço de construção, como a segurança, conforto, relevância social e outras conquistas individuais com impactos coletivos.
Do ponto de vista psicológico, a prevalência da dopamina traz implicações significativas. A exposição constante a estímulos que liberam dopamina pode levar a uma adaptação cerebral, exigindo sempre mais estímulos para obter o mesmo nível de satisfação. Esse fenômeno, conhecido como habituação, pode reduzir a nossa capacidade de manter a atenção prolongada e empobrecer nosso pensamento crítico.
Além disso, essa ênfase na dopamina pode encobrir emoções mais profundas e complexas, fazendo com que muitos evitem confrontar ou processar sentimentos negativos. A opção pela distração imediata é sempre mais acessível, podendo ter impactos negativos na saúde mental no longo prazo, pois o processamento emocional é vital para o bem-estar psicológico. Desenvolve-se uma estrutura que se baseia na pessoa dizendo involuntariamente para si própria: “Tenho uma identidade virtual para alimentar, não tenho espaço para o ambiente, o contexto e nem para o outro”.
A mente consumidora é mimada pelos estímulos comerciais que recebe e que a mente produtiva tem que ser objetiva, capacitada e determinada
Mimamos as mentes de uma forma praticamente irreparável. Perdemos a capacidade de discernir a diferença entre a identidade de consumo e a identidade produtiva. Eu defendo essa diferenciação para que possamos resgatar a mentalidade de produção e contribuição relacional, social e coletiva das pessoas. Precisamos compreender que a mente consumidora é mimada pelos estímulos comerciais que recebe e que a mente produtiva tem que ser objetiva, capacitada e determinada.
Com o aumento da exposição das pessoas aos estímulos da mente consumidora, temos Identidades produtivas afetadas, passivas e subservientes. Temos um papel fundamental em oferecer estratégias para ajudar as pessoas a navegar e gerenciar essas influências, promovendo uma compreensão mais profunda de como a mente humana responde aos desafios modernos. É essencial reconhecer e abordar essas mudanças, incentivando práticas que fomentem o pensamento crítico e a reflexão, como a leitura, o debate e a meditação, para trazer equilíbrio a balança entre o prazer rápido e o pensamento substancial.
Em uma época onde ficou “chique” e importante dominar o vocabulário neurocientífico, como se conhecer termos como “dopamina” e “efeitos dopaminérgicos” nos transformasse em especialistas, devemos estar atentos à superficialidade. A verdadeira compreensão científica vai muito além do uso de jargões. Ela se constrói na capacidade de integrar esse conhecimento de maneira significativa às nossas vidas, promovendo não apenas o bem-estar, mas também um envolvimento mais rico e profundo com o mundo ao nosso redor.
Posso observar que o resultado coletivo disso tudo é uma sociedade apática, pasteurizada e problematizada. Precisamos da atuação do psicólogo na compreensão desses ajustes que serão necessários no indivíduo. Temos que resgatar algo que está dentro das pessoas, a vontade de serem produtivas, colaborativas e a compreensão da real identidade de existência mais ampla, e não resumida ao que está sendo entregue naquele recorte da realidade que o algoritmo exibe nas telas.
Danilo Suassuna, graduado e doutor em Psicologia, é professor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás e do curso de Especialização em Gestalt-terapia do ITGT-GO, coordenador do Núcleo de estudos e pesquisa em gerontologia do ITGT e membro do Conselho Editorial da Revista da Abordagem Gestáltica. É autor do livro “Histórias da Gestalt-Terapia – Um Estudo Historiográfico”; Ricardo Reuters é estrategista de Marketing e especialista em Desenvolvimento de Mercado.