Na maioria das situações, a avalanche de compras externas reproduz a utilização de subterfúgios tributários
A recuperação econômica registrada pelo Brasil, sobretudo a partir de 2004, vem sendo acompanhada, paradoxalmente, pela perda de capacidade competitiva do setor industrial, provocada, em maior proporção, por anomalias macroeconômicas exógenas e domésticas. Tal situação resultou em retorno da pronunciada deterioração das transações correntes do país, a partir de 2008, atestada pela redução do ritmo de crescimento das exportações e explosão das importações.
Por trás desse processo, figuram a guerra cambial, travada entre as principais nações do planeta, por meio da desvalorização das moedas e de práticas de dumping, para estimular as vendas e inibir as compras externas, e a política de juros reais elevados, implementada pelo Banco Central (BC) do Brasil, verdadeiro imã para o aporte de capitais especulativos no país.
Mais recentemente, a marcha desfavorável nas contas externas foi vitaminada pela ativação de novos ingredientes das batalhas fiscais, realizadas entre os estados da federação, em absoluto desprezo à Carta Constitucional e às determinações do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), assento dos secretários de fazenda das unidades.
Trata-se de ações que representam benefícios tributários, baseados no imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS) à aquisição de componentes do ativo fixo, insumos e embalagens procedentes do exterior. Sem contar que vários governadores têm assumido a posição de não repassar, aos exportadores, os créditos de ICMS da Lei Kandir, criada em 1996, alegando a recorrente não inclusão do valor relativo ao ressarcimento das perdas pelo Executivo federal na peça orçamentária. Lembre-se que, por dispositivo legal, a compensação dos prejuízos findou em 2006.
Alguns levantamentos feitos pelo Ministério do Desenvolvimento revelam que 18 entes subnacionais fazem uso desse expediente, englobando diferimentos, reduções de bases de cálculo e empréstimos, e 13 oferecem, especificamente, dilação do prazo de recolhimento do imposto ou o financiamento do pagamento, no caso das importações de produtos siderúrgicos.
A participação de itens siderúrgicos, fabricados fora do Brasil, no consumo doméstico subiu de 6% para 20% em menos de três anos. Essa ascensão é explicada também pela conjugação entre valorização do real e depreciação do yuan (moeda da China) e pelo excesso de oferta de aço no mercado externo, por causa da morosa recuperação da economia mundial.
Essencialmente, os programas de renúncia fiscal miram a intensificação da utilização das estruturas portuárias, incluindo os portos secos, e condicionam, em certos casos, o recebimento das benesses à instalação de entrepostos comerciais e estabelecimentos industriais. Há também o emprego do crédito tributário de 12% do ICMS nas importações, para evitar os recolhimentos em cascata, capitalizados por ocasião das operações de transferências de mercadorias entre os estados.
Como resultado, entre 2003 e 2009, as importações de Santa Catarina, Tocantins e Mato Grosso do Sul aumentaram 633%, 560% e 445%, respectivamente, contra 164% para o total brasileiro. Só a título de exemplo, das mais de 800 empresas que solicitaram inscrição no programa fiscal do governo catarinense (Pró-Emprego), entre 2007 e 2009, 67% foram atendidas, sendo 45% dessas, tradings. Frise-se que o instrumento prevê exceções (proteção) para vidros, espelhos, zíperes, cristais, porcelanas e embarcações de lazer de até 60 pés.
É importante reconhecer a natureza correta da materialização das preferências estratégicas dos agentes econômicos, quando da realização de importações de insumos e produtos com maior conteúdo tecnológico e/ou menor custo, benéficas à maximização estrutural do lucro e do investimento corporativo e em consonância com as maiores exigências dos consumidores.
Contudo, na maioria das situações, a avalanche de compras externas reproduz a utilização de subterfúgios tributários, que atendem exclusivamente aos interesses de uma fração reduzida de empresas que atuam nos limites geográficos do país ou de revendedores internacionais, induzindo a geração de empregos no exterior.
Nessa perspectiva, os desdobramentos nocivos das importações baratas na formação de preços de distintas cadeias produtivas e o comprometimento dos níveis das receitas fiscais futuras dos agentes públicos, e principalmente do seu uso na provisão das economias externas demandadas pelo setor privado, servem para espantar, em vez de atrair e viabilizar, inversões produtivas de longa maturação.
Gilmar Mendes Lourenço é economista, coordenador do Curso de Economia da FAE e autor do livro Conjuntura Econômica: Modelo de Compreensão para Executivos
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