Um tema muito interessante é a discussão sobre quem tem a verdade em uma discussão entre duas pessoas, onde o dito popular diz que cada uma tem a sua versão. Acredito que isso seja fruto da pouca educação que existe hoje não só no Brasil como no mundo todo, pois esta descrença na verdade não é própria apenas do nosso país.
Temos que, obviamente, definir o que seja verdade e talvez poderemos entender por que surgiu este dito popular. Bem, vamos ao nosso sábio conhecido como o Doctor Angelicus, São Tomás de Aquino (Quaestiones Disputatae de Veritate), que toma a definição de Avicena, o qual apresenta como sendo “a verdade de uma coisa é a característica própria de seu ser, que lhe foi dada como propriedade constante”. E desta definição Tomás reflete “parece que o verdadeiro é totalmente idêntico ao ente”, ou seja, a realidade é igual ao seu entendimento, ainda, o ente é igual ao pensamento, mais ainda, “o verdadeiro e o ente não diferem conceitualmente”.
Cabe às famílias assumirem este papel de educar a mente de seus filhos, como sempre foi feito ao longo da história humana.
Bem, concluímos filosoficamente que só há então a verdade na inteligência de um ser que tenha razão, sem inteligência não há verdade. A dedução lógica disto é que não há verdade em um ser irracional, uma vez que a característica dos animais racionais é ter inteligência e o objeto desta é a verdade, já abordamos este tema anteriormente. Só esta faculdade da psiqué pode ser capaz de ver a essência das coisas e verificar que o ente que ele está vendo tem algo que o torna ente, que é aquilo que é, melhor dizendo, aquilo que existe e é percebido pela inteligência. O ente assim dito é verdadeiro por ser inteligível, é uno por não ser divisível, é essência porque é uma coisa, é algo porque não é outro, e, sendo apreensível por uma inteligência, ele é verdadeiro.
Como só no intelecto há verdade, vemos a importância disso neste nosso tema tão caro que é a educação humana, pois se ocorrer alguma dissonância nesse processo, o intelecto estará sem capacidade plena de identificar a verdade, sendo constantemente conduzida por outros que julgam deter o conhecimento desta suposta verdade. Entretanto, não significa que estes outros tenham a plena noção do que estão fazendo ou inteligindo.
Ainda por meio de São Tomás (De Magistro), sabemos que o homem ensina somente por meio de sinais, ora se os sinais não forem compreendidos pelo estudante, quebrou-se o elo fundamental entre mestre e discípulo, não havendo nem ensino, muito menos educação. Tal qual o médico que é um coadjutor da natureza quando realiza a cura de um doente, também o discente é um colaborador da aprendizagem sendo aquele que “conduz o aluno ao conhecimento do que ignorava, seguindo o caminho trilhado por alguém que chega por si mesmo à descoberta do que não conhecia”. Então verificamos que para que ocorra o processo educativo se faz necessário uma correta utilização do intelecto tanto do mestre como do estudante, ficando muito claro que se o professor não teve o contato intelectual com a verdade não saberá o que passar aos alunos. Muito claro, também, é que Tomás nos diz que quem está ensinando ou educando não causa a verdade no aluno, apenas ele passa o conhecimento da verdade para o estudante e este fará o processo intelectivo comparando com tudo o que ele já assimilou e chegará à verdade daquilo que foi estudado.
Outro entendimento o qual temos que ter presente é que o processo intelectivo tem uma norma analógica, com a qual só se evolui intelectualmente partindo de conhecimentos anteriores. Um exemplo disto é que não aprendemos as equações integrais antes de saber as operações básicas da matemática ou não aprendemos saborear uma poesia sem antes saber as normas ortográficas que norteiam nossa língua. Se faz presente a noção de que precisa haver verdades para que o aluno possa progredir e ascender as capacidades maiores do intelecto. Agora podemos entender, de certa forma, porque dizem que cada um tem a sua verdade, pois é uma construção intelectual individual e necessita de auxílios em determinados momentos em que as dificuldades se aproximam.
Ensinar e educar com rigores intelectuais e com nível cultural tiraria as massas da mediocridade intelectual.
Diante destes conceitos filosóficos, vamos partir para uma reflexão do processo educacional mundial. Vemos que foram abandonadas as ideias de conhecimento e reflexão, tendo os processos pedagógicos modernos cambiados para apenas desenvolver uma habilidade na qual não se necessita de conhecimentos, portanto não precisa desenvolver verdades e com isso, o estudante não precisa passar pelo processo de desenvolvimento intelectivo, característica do ser humano.
Ora, desde o início do século XX, todo o sistema educacional mundial foi tomado pelo poder econômico que mudou a filosofia da educação em vigor para uma filosofia voltada para beneficiá-lo. Dessa maneira, os alunos deveriam passar por um processo rápido de intelectualização mínima, mas o suficiente para trabalhar nas diversas atividades que a economia exigia. A sociedade aos poucos foi aceitando isto como sendo algo natural e até estimulando os filhos a cursarem escolas e receberem os diplomas no mais curto prazo. Vemos que, no Brasil, pela Lei de Diretrizes e Base da Educação o ensino começa aos 4 anos de idade e para se ter ideia, este que vos escreve entrou na escola com 7 anos de idade. Para que a pressa atual? Para o quanto antes poder entrar no mercado de trabalho e colaborar com o poder econômico.
Mas estamos falando sobre a importância de se valorizar a verdade em todo este processo, então podemos acrescentar os reflexos para toda a sociedade de hoje deste tipo de pedagogia sem a verdade e vamos para alguns exemplos claros no meu ponto de vista. Alguns temas são muito próprios dos chamados “especialistas”, os quais nos “ajudam” a entender determinados aspectos mais técnicos de determinados assuntos. Como perdemos a capacidade de reflexão profunda, somos levados a acreditar na “verdade” desses especialistas. Citamos aqui o aquecimento global, a poluição ambiental, a utilização da água potável, a necessidade de se perder a liberdade em prol do Estado, a preocupação com o crescimento populacional, o controle sanitário das populações, as mudanças climáticas, a globalização da economia, a formação de um governo mundial, a transformação de informações jurídicas em entendimentos incompreensíveis aos cidadãos leigos, entre outros.
Qual a confluência destes temas e que nos pode interessar dentro do escopo deste artigo? É justamente a incapacidade de se ver a verdade nesses fatos citados por serem eles de grande magnitude. Como são assuntos de uma complexidade ampla, uma pessoa dentro de sua casa, na sua cidade, em seu país, perde a capacidade de acessar a verdade dos fatos narrados e cede às opiniões dos “especialistas” que têm total liberdade de construir uma conjuntura fantasiosa e à qual será acolhida plenamente pelo público. Dentro da nossa discussão, e não me passando por um destes especialistas, posso inferir que ao debruçarmos sobre qualquer desses temas elencados acima, podemos verificar falhas graves e que para uma pessoa com capacidade intelectual normal é óbvio ver os equívocos. Mas, como estamos desde o começo do século XX sendo reduzidos em capacidade intelectiva, hoje em dia tal tarefa de pesquisa se apresenta como uma dificuldade, seja em tempo, seja em volume de informações, seja na própria dificuldade de acesso aos fatos. Fica claro que se deixassem os fatos a mostra, todos descobririam os equívocos facilmente, para tal é necessário avolumar as informações desnecessárias, dificultar acessos, construir novas palavras que não são inteligíveis imediatamente e fazer uma propaganda favorável ao que se está publicado e já pacificado em termos de discussão acadêmica.
Dando um toque de sociologia nesta discussão, Wright Mills (La Elite Del Poder) comenta o processo americano de formação das elites que dominam a sociedade daquele país, deixando claro a dominância da sociedade de massas, impondo uma opinião pública prevalente sempre coordenada por uma elite. Na verdade, o público está alijado dos poderes de decisão ativa, onde os meios de comunicação públicos estão de posse desta elite dominante, a qual se mantém na situação não importando quem venha a ser colocado nos cargos de direção do país. Nos Estados Unidos, o autor deixa claro que se procedeu uma secundarização da sociedade, levando a desvalorização da família e valorização das empresas econômicas. E não existem homens com capacidade de reflexão profunda para fazer face a este novo modo de vida.
Parece existir um analfabetismo psicológico, neste caso é fácil de entender por que estão mantendo todo o sistema educacional subordinado ao modelo econômico. Ensinar e educar com rigores intelectuais e com nível cultural tiraria as massas da mediocridade intelectual, a qual está voltada apenas para a formação vocacional e lealdade nacionalista, tendo um objetivo individualista ilhando os homens e mulheres nos seus setores e rotinas cada vez mais estreitos, fazendo perder a noção de sua integridade como público. Outra consequência séria dessa forma de educação é a descaracterização dos valores morais, mas este tema será abordado em outra oportunidade, tendo em vista sua importância.
Podemos concluir, deixando a ideia de que nosso sistema de ensino brasileiro, seguindo tendência mundial, não favorece o desenvolvimento intelectivo para se chegar à verdade dos estudos porque isso atrapalharia a máquina financeira mundial e todos os sistemas que a esta estão engrenadas. E como corrigir isso? Como a escola não irá mudar rapidamente, cabe às famílias assumirem este papel de educar a mente de seus filhos, como sempre foi feito ao longo da história humana. É preciso assumir esse encargo, pai e mãe não podem atribuir a outros essa incumbência, até porque isto é um gesto de amor paterno fundamental.
Claudio Titericz, coronel da reserva do Exército Brasileiro, é bacharel, mestre e doutor em Ciências Militares, bacharel em Teologia, estudante de Filosofia da Educação, ex-diretor de Programas da Secretaria-Executiva do Ministério da Educação e um dos fundadores do Instituto de Biopolítica Zenith. É autor do livro “O Problema da Educação Brasileira”.
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