O fenômeno demográfico do envelhecimento populacional e a larga escala de seus efeitos vêm sendo discutidos no cenário internacional já faz algumas décadas. Em 2002, o Plano de Ação Internacional de Madri sobre o Envelhecimento, formulado por ocasião da Segunda Assembleia Mundial sobre Envelhecimento, ressaltou a importância da existência de ambientes propícios e favoráveis à saúde e bem-estar. A partir daí, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lança o Guia Global das Cidades Amigas das Pessoas Idosas, em 2007, e cria a Rede Mundial de Cidades e Comunidades Amigas das Pessoas Idosas, em 2010.
Em essência, o que esses marcos agregam à defesa do direito das pessoas idosas é o reconhecimento do fator ambiental como condicionante estrutural do envelhecimento ativo. Não há muitas dúvidas de que a longevidade passa por escolhas individuais que dizem respeito, por exemplo, à adoção de bons hábitos de saúde e ao esforço de poupança, para citar apenas dois aspectos, mas a reflexão sobre o fator ambiental nos propõe avaliarmos em que medida o entorno influencia, positiva ou negativamente, a busca desses objetivos.
De acordo com essa linha de raciocínio, a cidade é a figura simbólica que encarna o conjunto de elementos que podem aproximar ou afastar uma pessoa de envelhecer bem. E quais são esses elementos? Na formulação da OMS, a resposta compreende desde fatores mais tangíveis do espaço construído (espaços exteriores e edifícios, transporte e habitação), passando por toda a amplitude de serviços e trocas (apoio comunitário e serviços de saúde, comunicação e informação, participação cívica e emprego), até valores intangíveis (participação social e respeito e inclusão social).
Os fatores ambientais poderiam também ser pensados para uma área específica, como um bairro ou, numa escala maior, para um conjunto de cidades e até mesmo um país. No entanto, em linha com a máxima que diz que “Ninguém mora em um país, nem em estados: todos moram em suas cidades”, acreditamos no valor de entender a realidade dos municípios, no que tange às suas condições para o bem envelhecer.
Por isso, em 2023, foi lançada a terceira edição do Índice de Desenvolvimento Urbano para Longevidade, também conhecido como IDL. Esse instrumento, que, em suas duas edições anteriores, cobriu 498 e 876 municípios brasileiros, respectivamente, agora alcançou a ambição que o guiou desde o início: analisar todos os 5.570 municípios do país. O IDL é um serviço de orientação a gestores públicos e cidadãos, que oferece uma visão de como o município está preparado para o envelhecimento de sua população. Baseando-se em indicadores de origem pública e de fontes confiáveis, o IDL apresenta um escore total, que por sua vez condensa escores para três dimensões específicas: saúde, socioambiental e economia. Os quatro escores estão disponíveis para consulta no site da pesquisa.
Em 2020, com menos cidades avaliadas, chegamos ao resultado de que menos de 35% dos municípios tinham um grau de preparação adequado. Em 2023, com o alcance da cobertura nacional, os resultados mostraram uma realidade ainda mais dura quanto à condição de nossas cidades como ambientes amigáveis às pessoas idosas. De todos os 5.570 municípios, 428 têm desempenho satisfatório no escore total ou meros 7%. Olhando para as dimensões separadamente, são 772 (13%), 466 (8%) e 1.016 (18%) com desempenho satisfatório em Economia, Socioambiental e Saúde, respectivamente.
Para dar uma ideia do tamanho do desafio que se apresenta, consideremos os resultados do indicador “número de óbitos de pessoas com 60 anos ou mais por doenças infecciosas e parasitárias”, no contexto das capitais brasileiras. Vitória (ES) está entre as capitais mais avançadas no processo de universalização do saneamento básico, que inclui o abastecimento de água, a coleta e o tratamento de esgoto e a coleta e a destinação adequada de resíduos sólidos.
A presença de uma infraestrutura adequada de saneamento básico se reflete nos bons resultados alcançados pela capital capixaba no indicador de óbitos por doenças infecciosas e parasitárias (3º melhor resultado entre as 326 cidades grandes avaliadas pelo IDL). Na outra ponta da análise, Porto Velho (RO), que entre as capitais é a que se encontra mais distante da universalização do saneamento básico, registrou o 5º pior resultado entre as cidades grandes, revelando que o alto índice de óbitos em pessoas com 60 anos ou mais, em decorrência de doenças infecciosas e parasitárias, somente será revertido a partir de investimentos adequados em sua estrutura de saneamento básico.
O que significa tornar as cidades mais preparadas para o envelhecimento da população? Significa ter mais espaços caminháveis e menos centrados no deslocamento por automóvel. Significa ter mais serviços e oportunidades de trabalho sem a necessidade de grandes deslocamentos. Significa também desenvolvimento de capital humano. Significa, sobretudo, resolver quanto antes os problemas típicos do século XIX para que, enfim, seja possível dedicar-se por inteiro aos desafios trazidos pelo século XXI. Em resumo, tornar uma cidade amistosa às pessoas idosas requer aumentar a qualidade da urbanização, o que ajuda pessoas de todas as idades.
Gleisson Rubin é especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental e diretor do Instituto de Longevidade; Antônio Leitão é pós-graduado em Gerontologia e gerente institucional do Instituto de Longevidade.