Atualmente, o Brasil enfrenta diversos desafios relacionados à educação. Recentemente, mudanças no setor foram realizadas com objetivo de aperfeiçoar o modelo de ensino e ampliar as formas de aprendizagem, como o Novo Ensino Médio, aprovado em 2017, e que entrou em vigor a partir deste ano. Entretanto, atualizações apenas nos anos finais do ciclo de estudo não são suficientes para superar estes desafios. Mais do que isso, é necessária uma formação de valores desde os anos iniciais, como forma de investir na formação humana.
Para que isto seja possível, é fundamental que o ambiente escolar seja um laboratório voltado para o aprender, ou seja, um microcosmo da sociedade. Neste sentido, o grande obstáculo para as escolas é criar um espaço em que a criatividade, a mudança, a inovação, o erro, a dúvida e a incerteza sejam bem-vindos, uma vez que construímos conhecimento quando somos “atravessados” pela experiência, criando assim, conexões e sentido. É preciso preservar esse espírito investigativo, manter a curiosidade pelo mundo, articular o pensamento e as teorias das crianças com o patrimônio da sociedade e não apenas listar conteúdo ou “instruir”.
A criança é um verdadeiro pesquisador da vida, no entanto, podemos destruir essa postura investigativa com nossas respostas rápidas e noções de certeza.
Vale ressaltar que aprendemos vivendo desde cedo todos os valores democráticos. Justiça, empatia, persistência, humildade, honestidade, entre outros. No entanto, esse processo de formação deve ser baseado na parceria entre escola e família. É imprescindível que exista um elo de confiança entre esses dois polos em prol do bom desenvolvimento do indivíduo.
A criança é um verdadeiro pesquisador da vida, no entanto, podemos destruir essa postura investigativa com nossas respostas rápidas e noções de certeza. O desafio é não fragmentar, nem minimizar a curiosidade da criança, mas acolher, incentivar e proteger. Trabalhar com esse currículo não significa produzir um programa, mas construí-lo em nosso dia a dia.
O educador deve atuar como um investigador diário do pensamento da criança. É preciso se questionar: como a criança aprende? O que está pensando? O que está por trás das metáforas que ela diz? Cabe ao educador escutar, interpretar, produzir a recognição, estimular o confronto, bem como manter alta a sua motivação. Neste contexto, cabe ao professor ser mais o profissional da incerteza do que da resposta.
A missão das escolas que baseiam o ensino na formação de valores é preparar o indivíduo em sua totalidade. A criança é compreendida como um ser potente, capaz e de direitos, e é isto que possibilita a assertividade do trabalho.
De um modo geral, a educação trata da relação na qual aprendemos na troca com o “outro”. Os valores norteiam a nossa ação, alimentam e nutrem a nossa potência de viver. Assim, esta troca deve ocorrer por meio de uma ética relacional baseada na escuta, no diálogo, na diversidade, no confronto e na negociação. E, assim, deve-se trabalhar a formação dos valores. A democracia deve ser uma maneira de se relacionar no cotidiano da escola, não sendo um assunto a ser ensinado, mas aprendido ao se fazer e ao viver.
Para que isso seja possível, tudo começa pela organização do espaço. A construção do ambiente que será habitado pela turma deve ser pensada juntamente com as crianças. O educador deve ter clareza em suas intenções, mas o caminho que irá percorrer para alcançá-las é traçado com o grupo. Cabe ao adulto construir uma escuta qualificada, uma vez que é mediador e não interventor no processo.
A partir disto, as crianças precisam se sentir pertencentes àquele espaço, escutadas, acolhidas em suas pesquisas e interesses, pois só assim surgem as investigações. Esse ambiente precisa revelar as relações, marcas e a identidade deste grupo. Os acordos de convivência construídos precisam ser flexíveis e revisitados. Além disso, é fundamental trazer os problemas que surgem no cotidiano para a construção de estratégias de solução em conjunto. Por isso, busca-se que as crianças compreendam os valores por meio de ações reais que façam sentido para elas na prática.
Os estudantes que temos hoje em nossas escolas são desapegados das fronteiras geográficas, independentes, possuem poder de adaptação acelerado, são movidos por estímulos sensoriais, consomem informação pelos smartphones, são autodidatas e possuem raciocínio não-linear. Diante disto, o papel atual da educação é o “aprender a aprender”.
A aprendizagem não começa na necessidade de ensinar, mas, sim, de ir em busca do conhecimento, de significado e na partilha das descobertas. A organização dos contextos investigativos, o trabalho com projetos e roteiros de estudo são essenciais para alcançar o sucesso no âmbito educacional. Atualmente, não faz sentido um ensino pautado apenas em sentar-se na cadeira e fazer lição. A consequência desse processo será um estudante que não estará preparado para o mundo em que vivemos.
Portanto, é imperativo investir em uma construção de ensino que garanta uma formação baseada em valores desde o ciclo inicial de aprendizagem, com início no berçário e desenvolvimento durante todo o período de estudo.
Ana Amélia Sanches Costa é coordenadora pedagógica da rede de colégios Santa Marcelina.