A reunião anual do Fórum Econômico Mundial é sempre um momento para embates intelectuais entre economistas, políticos e pensadores de correntes ideológicas diferentes e, na mesma corrente, entre os que têm divergências de modelos, mas não de essência. As oposições ideológicas mais profundas são entre capitalismo versus comunismo. Entre os defensores do capitalismo, há concordância quanto a estrutura do sistema (baseado na propriedade privada dos meios de produção e na liberdade de mercado), mas há divergências sobre o papel do Estado e seus atos intervencionistas.
Um debate bastante conhecido se dá entre os liberais (que querem menos Estado e mais liberdade) e os dirigistas (que querem menos liberdade, mais Estado e mais governo). Há também divergências entre os sociais-democratas (que, embora não preguem o fim do capitalismo, defendem intervenções do Estado para cobrar impostos e distribuir em forma de programais sociais) e os liberais puros (que desconfiam da social-democracia, por vê-la com raiz socialista que, uma vez plantada, não para de crescer e acaba por solapar o desenvolvimento da nação).
O grande embate entre sociais-democratas e liberais puros se deu a partir da grande depressão dos anos 1930, quando o economista John Maynard Keynes publicou sua grande obra A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, em 1936, em que defendia a ação do Estado na economia com o objetivo de recuperar a produção e atingir o pleno emprego. As propostas de Keynes criaram uma corrente de adeptos chamada “keynesianismo”, os quais passaram a defender, sobretudo após o fim de segunda guerra mundial, que o governo deveria aumentar gastos para provocar aumento da demanda e, por consequência, expansão da produção.
Keynes propunha que o governo deve aumentar seus gastos, sem elevar tributos, pois para ele os déficits não seriam inflacionários, e seriam absorvidos por aumento do emprego, renda e produto. Terminada a recessão e reduzido o desemprego, o governo deveria voltar ao equilíbrio orçamentário, sem abrir mão de continuar intervindo sempre que julgasse necessário. O fato histórico é que, mesmo após o fim da depressão de 1930 e o fim da guerra em 1945, os governos nunca mais pararam de gastar, criar déficits e fazer dívidas.
O sistema keynesiano ruiu, a social-democracia apresentou diversos problemas, os governos construíram dívidas gigantescas e o liberalismo econômico ganhou propulsão após os anos 1980. Atualmente, o mundo está diante de outra dificuldade: a revolução tecnológica, a inteligência artificial, os robôs cognitivos e os processos automatizados estão levando ao aumento da produção sem gente, ou seja, eliminando empregos.
Em 1970, o Brasil tinha 46% da população atuando na zona rural. Hoje, essa fração de apenas 12,5%, mesmo com o crescimento da produção agropecuária, e daqui a 10 anos não mais que 5% da população estará trabalhando no campo. Nos Estados Unidos, deve chegar a apenas 1%. A indústria de transformação está substituindo mão de obra por máquinas e robôs há 40 anos. Agora, também os setores de serviços estão incorporando robôs cognitivos e inteligência artificial, fazendo que a produção cresça sem gerar empregos em igual proporção.
O mundo atingirá 9,4 bilhões de habitantes em 2050, e ninguém sabe até onde pode chegar o número de desempregados. Mas imaginemos um país onde toda a produção de bens e serviços seja feita por máquinas e tecnologias diversas, no qual uns 80% dos trabalhadores não são necessários. Ora, a produção mundial é feita para os consumidores, que são os próprios trabalhadores e suas famílias. Sem emprego, eles não têm renda. Sem renda, nada compram. Esse país imaginário teria produção e não teria quem comprar.
Robô não consome, não fica doente, não tem plano saúde, não tira férias e, quando morre, não tem caixão nem velório. Já há debates, sem conclusão, em vários centros de inteligência sobre o que fazer diante disso. Uma proposta é: se a coisa se agravar ao ponto de gerar colapso coletivo, uma saída é cobrar imposto sobre robôs e transferir os valores arrecadados para os desempregados.
Bem, aqui cria-se um problema enorme: quem fará a arrecadação, organizará a distribuição e fiscalizará a correção? Não há anjos no governo, pois não há anjos na Terra. Logo, surgem os velhos riscos das ineficiências, desperdícios, fraudes, corrupção e uso desse dinheiro para pagar os próprios agentes do Estado. Então, temos um segundo problema: não dando para apostar na eficiência e na moral do governo, como resolver a questão da cobrança de tributos e organizar a distribuição de uma renda-desemprego para a multidão de desocupados?
O fato é que, em economia, é comum uma solução gerar novos problemas. É como na medicina, em que medicamentos curam, mas produzem efeitos colaterais, que necessitam de outros remédios. O problema está posto. Voltarei ao assunto.
José Pio Martins, economista, reitor da Universidade Positivo.
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