| Foto: Felipe Lima

A partir do início dos anos 1980, a parábola de função do segundo grau usada pelo economista americano Arthur Laffer passou a ser a base para justificar a redução de impostos nos Estados Unidos e na Inglaterra, no que a história hoje identifica como o retorno do liberalismo na economia.

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Para colocarmos em contexto, Laffer respondia a uma questão de macroeconomia, pensando em termos de valor agregado. Em síntese, dizia que a sociedade suporta a carga tributária até um certo ponto, após o qual a arrecadação passa a diminuir, pois as pessoas e os negócios encontram formas de eliminar o pagamento de tributos através de alternativas de mercado, ou aumentando o uso do dinheiro em espécie para sair do radar da fiscalização.

Uma vez confrontada com a realidade, a tese principal da “curva” não se confirma, mesmo no campo da macroeconomia. Sua lógica principal colaborou para a evolução da tese monetarista conhecida como “economia de oferta” de dinheiro, que clama por redução de tributos sobre a renda e o lucro, sob o argumento de que, com mais dinheiro, as pessoas comprariam mais e as empresas investiriam mais. Soa plausível, mas depende de outros fatores dinâmicos, como mostrou a política de desoneração fiscal dada às empresas no governo Dilma, pois elas não investiram o recurso extra em produção.

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O objetivo da política tributária não é alimentar o Estado com recursos crescentes ou beneficiar as empresas produtoras, mas reduzir a demanda pelo cigarro

No Brasil, a Curva de Laffer passou a fazer parte do arsenal da teoria econômica com o advento de políticas de tributação seletiva para a saúde, principalmente com a assinatura da Convenção Quadro para o Controle do Tabaco, da Organização Mundial da Saúde. Ela vem sendo mencionada por entidades que defendem a economia do cigarro, barrando o aumento de tributos sobre o produto.

A decisão recente, tomada pelo ministro da Justiça, de convocar um grupo de trabalho para analisar a possibilidade de redução de tributos ao cigarro a fim de combater o contrabando no país é mais uma distorção de teses de economia baseada na ignorância sobre a cadeia produtiva de fumo no Brasil e na América do Sul. Em apresentação para o GT, o economista Perry Shikida defendeu que a tributação do cigarro no Brasil teria chegado ao seu ponto de inflexão arrecadatória. Seu estudo, de 2017, abrange dados sobre consumo, arrecadação e estimativa de mercado ilícito apenas de 2010 a janeiro de 2016, deixando de lado diversas informações importantes para uma análise confiável, como a segmentação de renda de consumidor, já que o cigarro ilegal é consumido por pessoas de baixa renda. Tampouco seu artigo considera a teoria do oligopólio para formação de preços, ou o modelo de Murphy-Becker da racionalidade viciante. Ou seja, seu estudo pode até ser rigoroso matematicamente, mas é inexato e de pouca validade científica.

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Dados de 1999 até 2018 mostram que a redução na demanda de cigarros é anterior à política de preço mínimo de 2011, e o comportamento do mercado ilegal é volátil e não linear. Como o cigarro no Brasil ainda é muito barato, a queda na arrecadação ainda está distante de ser um problema. Ademais, o que devemos levar em consideração é que o objetivo da política tributária não é alimentar o Estado com recursos crescentes ou beneficiar as empresas produtoras, mas reduzir a demanda pelo cigarro, seja ele legal ou ilegal, reduzindo também os custos de saúde com as doenças causadas pelo fumo. Portanto, política de segurança não pode ser baseada em destruição de políticas tributárias que dão certo, ainda mais baseando-se em falsas premissas.

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Claudio Fernandes é economista, consultor da ACT Promoção da Saúde e do grupo de trabalho da sociedade civil para a Agenda 2030.