A atividade econômica não ocorre em um vácuo institucional. Dentre outros fatores, a segurança jurídica é fundamental para a produção de bens e serviços, para a geração de renda e, consequentemente, para o bem-estar social. A título de ilustração, considere a aparentemente simples aquisição de uma xícara de café expresso em uma lanchonete. A produção dos grãos de café demandou que se firmassem contratos de trabalho, de financiamento etc. O mesmo vale para o transporte dos grãos e para a produção da cafeteira. De forma similar, vários contratos foram necessários para que o consumidor viesse a ter os recursos necessários à aquisição do bem em questão.
O parágrafo anterior deixa claro que o funcionamento da economia requer um grande número de contratos. Por sua vez, a eficácia desses contratos demanda a existência de normas legais e de uma razoável previsibilidade na interpretação das mesmas por parte dos tribunais. Logo, a incerteza jurídica atua de forma a inibir a atividade econômica, fazendo com que a sociedade desfrute de um padrão de vida inferior ao que seria alcançado em um contexto em que as decisões judiciais seguem a letra da lei e a jurisprudência existente.
Em síntese, ao banir a referida plataforma, o STF colocou areia na componente jurídica das engrenagens da economia brasileira
A discussão acima nos conduz à presente situação vivida pelo Brasil. Há anos que o STF vem tomando decisões contrárias à Constituição e às demais normas legais. Esse problema escalou para um patamar mais elevado durante o embate com a rede social X. Sob o ponto de vista estritamente econômico, a decisão de banir a dita plataforma contém dois pontos particularmente negativos.
O primeiro foi a imposição de multas a pessoas físicas e jurídicas que continuarem a utilizar o X, pois se abriu a possibilidade de que um agente econômico venha a ser penalizado financeiramente em decorrência de um litígio no qual não é parte. O segundo diz respeito ao bloqueio, desprovido de sólida fundamentação, de ativos de uma empresa em decorrência de ações realizadas por outra empresa.
Por mais que se alegue que o banimento do X foi algo “absolutamente excepcional”, que ocorreu exclusivamente devido a uma alegada necessidade de “resguardar a soberania nacional” e “salvar a democracia”, o fato é que se criou um precedente que autoriza a imposição de multas e bloqueios similares pelo STF e pelas demais cortes.
Consequentemente, mesmo aqueles agentes econômicos que não foram diretamente alcançados pela decisão em análise se defrontam agora um grau de incerteza jurídica consideravelmente mais elevado. Ou seja, apesar de estar supostamente restrita ao X, a dita decisão impacta todas as pessoas físicas e jurídicas que atuam neste país. Em síntese, ao banir a referida plataforma, o STF colocou areia na componente jurídica das engrenagens da economia brasileira.
Alexandre B. Cunha é Ph.D. em Economia pela Universidade de Minnesota e professor da UFRJ.