Conta a lenda que quando a TAM começou a voar para Miami, o comandante Rolim deu um presente aos funcionários mais destacados: participar do vôo de pré-estréia, uma boca-livre imperdível e inesquecível. No dia da viagem, tudo deu errado: os funcionários com seus alegres acompanhantes chegavam ao aeroporto para encontrar uma fila quilométrica de check-in. Motivo: computador fora do ar. Depois de enfrentar horas de fila, os menos afortunados ainda foram surpreendidos com a informação: não poderiam embarcar por causa de overbooking, a política de vender (naquele caso, de presentear) mais assentos do que os que realmente existiam. O avião teve a partida atrasada por motivos técnicos e a cada meia hora o embarque era transferido para meia hora depois. Quando finalmente saiu, o jantar a bordo demorou e o cinema não funcionou. Finalmente, a cereja do bolo: metade das bagagens tinha sido extraviada.

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Exasperados, tresnoitados, suados, desnorteados, os "felizardos" foram metidos em ônibus e levados para o hotel em que se hospedariam. Encontraram Rolim, de banho tomado, barbeado e perfumado, sorridente a esperá-los. E o comandante reuniu todos no salão para um pequeno discurso de boas-vindas. E teria dito algo do tipo: "soube que vocês tiveram muito azar, que o computador estava fora do ar, overbooking, atraso por motivo técnico, o jantar e cinema não funcionaram como deviam, as bagagens foram perdidas. Pois é, gente. A toda hora esses ‘azares’ estão acontecendo com os passageiros e agora vocês experimentaram na pele como eles se sentem. Se quisermos sobreviver em um mercado tão competitivo quanto a aviação internacional, eles não podem acontecer e espero que todos vocês se lembrem disso. Agora, a boa notícia: foi tudo encenado para que vocês tivessem esse aprendizado. As bagagens não foram perdidas, encontram-se no apartamento de cada um e espero que vocês se divirtam muito. Mas não esqueçam". Pelo jeito esqueceram.

O que aconteceu com a aviação civil brasileira no final de ano é um exemplo inesquecível de incompetência levada ao seu estado mais puro por todos os protagonistas. Primeiro por aqueles que deveriam controlar o espaço aéreo: passados dois meses do acidente da Gol, ainda não se sabe se os pilotos americanos agiram certo ou errado ao mudar o plano de vôo, se tiveram ou não autorização para fazê-lo. Também não se sabe se o sistema funciona a contento ou está seriamente desfalcado em termos humanos e tecnológicos. Isso em um setor em que tudo é documentado, gravado, manualizado, em que ninguém se arrisca a inovar ou experimentar sem estar previamente autorizado. Depois há essa patética Anac, incapaz de exercer a autoridade reguladora do mercado. Nem o conselheiro Acácio diria melhor: uma autoridade reguladora regula, não é uma autoridade observadora que observa, nem uma autoridade consoladora, que consola. Ela é uma autoridade re...gu...la...do...ra.

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E por fim, essa mistura de incompetência e ganância das empresas que dominam o mercado aéreo civil brasileiro. Os comunicados e desmentidos na imprensa soam como a frase de Groucho Marx: "Que é que vocês preferem? Acreditar em mim ou nos seus próprios olhos?". Não é preciso que ninguém conte nada a ninguém, basta ver as cenas na televisão, ou pior ainda, ter tido de viajar nos últimos dias do ano ou ter um parente que o fez. Quando uma empresa é obrigada a paralisar simultaneamente seis aeronaves para "manutenção corretiva", um eufemismo para descrever o conserto de coisas quebradas e que funcionavam mal, quando milhares de pessoas foram surpreendidas porque as passagens que haviam comprado e pago não foram honradas e foram deixados ao Deus-dará, ou foram empilhadas em salas de espera para fugir dos olhos da imprensa, quando doentes que esperaram anos por um transplante de orgãos perderam a chance de suas vidas porque eles ou os orgãos não chegaram a tempo, quando milhares de bagagens foram extraviadas arruinando as férias e os negócios de muita gente, algo está definitivamente errado.

Um lembrete e duas esperanças: o lembrete é que o mercado aéreo brasileiro está em acelerada expansão, crescendo a 10%, 15% ao ano. Um mercado que já é grande o suficiente para ninguém botar defeito. A primeira esperança é que algum grupo empresarial nacional tenha um mínimo de visão para entender que quando o mercado é grande, cresce rapidamente e é mal atendido existe uma enorme oportunidade escancarada à vista de todos. A segunda é que o governo federal, tão ágil para editar medidas provisórias, edite uma abrindo o mercado aéreo brasileiro à concorrência estrangeira para estimular a competição. Quero ver se, às voltas com uma verdadeira concorrência, nossas empresas locais se sentirão à vontade para fazer com os passageiros o que fazem agora.