O Supremo Tribunal Federal começa a julgar, neste 27 de novembro, ações que têm como objetivo a regulação das redes sociais no Brasil. A avaliação da constitucionalidade de uma possível decisão nesse sentido requer uma análise minuciosa dos limites da jurisdição e dos princípios fundamentais estabelecidos na Constituição Federal de 1988. Apesar do debate acerca da regulação do ambiente digital ser válido e imprescindível frente aos desafios atuais, é pertinente questionar se o Poder Judiciário tem legitimidade constitucional para exercer tal função, levando em conta as consequências democráticas, legais e institucionais de uma decisão dessa natureza.
O princípio da divisão de poderes, definido no artigo 2º da Constituição Federal, estabelece que as funções de legislar, administrar e julgar devem ser desempenhadas por entidades autônomas e harmônicas entre si. Esse princípio é crucial para assegurar a estabilidade institucional e a manutenção do Estado Democrático de Direito. A atribuição exclusiva do Poder Legislativo para estabelecer normas gerais, como um marco para regulação das redes sociais, está estabelecida nos artigos 48 e 49 da Constituição.
O esforço para regular as redes sociais por meio de decisões judiciais ultrapassa as fronteiras da competência do STF, infringindo os princípios de separação de poderes, legalidade, segurança jurídica, proporcionalidade e liberdade de expressão
Ademais, o artigo 60, § 4º, III, da Constituição estabelece a separação de poderes como cláusula pétrea, indicando que nenhuma alteração na Constituição pode modificar essa estrutura. Portanto, qualquer decisão judicial que ultrapasse a função interpretativa e adquira características de criação primária de normas representa uma infração direta a esse princípio, levando à usurpação de uma atribuição que só pode ser conferida ao Poder Legiferante.
No âmbito da regulação das redes sociais, a ação do STF nesse domínio não só vai além de sua competência, como também prejudica o processo democrático, ao relegar o debate público e diversificado que só o Poder Legislativo pode fomentar.
O princípio da legalidade, estabelecido no artigo 5º, II, da Constituição, determina que ninguém será compelido a agir ou a não agir, senão em virtude de lei. Esse princípio exige que todas as responsabilidades e obrigações sejam estabelecidas por meio de leis aprovadas pelo Parlamento, assegurando a legitimidade democrática e a previsibilidade legal.
No Brasil, vivemos sob um sistema jurídico positivado, em que as normas são criadas e codificadas por órgãos competentes, sendo o principal fundamento de validade do direito a Constituição Federal, conforme estabelece o artigo 1º. Diferentemente de sistemas consuetudinários, onde os costumes e tradições desempenham um papel preponderante na formação do direito, o ordenamento jurídico brasileiro está alicerçado em normas escritas e formalmente promulgadas. Nesse contexto, o respeito às leis e aos procedimentos formais para a criação e aplicação do direito reforça a previsibilidade, a segurança jurídica e o princípio da legalidade. Essa característica fortalece o Estado Democrático de Direito e delimita as competências de cada poder, garantindo que a vontade do legislador seja a fonte primária das normas jurídicas.
Em relação à regulação das redes sociais, a Lei 12.965/2014, conhecida como Marco Civil da Internet, já define um conjunto de normas que estabelecem a responsabilidade das plataformas digitais. Por exemplo, o artigo 19 desse marco jurídico isenta as empresas da responsabilidade por conteúdos produzidos por terceiros, a não ser que violem uma decisão judicial. Qualquer decisão do Supremo Tribunal Federal que vise expandir essas responsabilidades ou estabelecer novas obrigações sem base legislativa infringiria o princípio da legalidade, estabelecendo um precedente perigoso para o Estado de Direito.
A falta de uma estrutura normativa apropriada para fundamentar decisões judiciais sobre redes sociais prejudica a segurança jurídica, um princípio implícito e fundamental na Constituição. A estabilidade legal requer previsibilidade, estabilidade e consistência nas leis, prevenindo interpretações arbitrárias ou divergentes que possam provocar incertezas econômicas e sociais.
Nesse passo, o artigo 170 da Constituição define a livre iniciativa como um dos alicerces da ordem econômica, estabelecendo restrições à intervenção governamental e judicial nas atividades econômicas. Decisões que buscam regular plataformas digitais sem amparo legal impactam diretamente a liberdade de mercado, resultando em custos operacionais elevados e diminuindo a competitividade da indústria. A imposição de responsabilidades extras às empresas, sem uma fundamentação legal precisa, também gera um ambiente de incerteza que inibe investimentos e inovação.
Os artigos 5º, IX, e 220 da Constituição Federal asseguram a liberdade de expressão. Decisões judiciais voltadas para a regulamentação das redes sociais podem violar o princípio da proporcionalidade, que requer que as restrições sejam apropriadas, necessárias e equilibradas em relação aos direitos em jogo.
Apesar de a regulação das redes socais ter como objetivo combater abusos como desinformação e discurso de ódio, é crucial que tais ações obedeçam aos limites constitucionais, prevenindo restrições arbitrárias e abrangentes que possam comprometer o debate democrático livre. A liberdade de expressão é um alicerce fundamental da democracia, e sua proteção deve ser uma prioridade, mesmo com os obstáculos apresentados pela era digital.
Como representante direto da soberania popular, o Congresso Nacional tem legitimidade para decidir sobre a elaboração de normas que orientem o ambiente digital. Esse procedimento precisa ser claro, diversificado e democrático, assegurando a participação de especialistas, corporações e da comunidade civil. O artigo 49, XI, da Constituição enfatiza que é responsabilidade exclusiva do Congresso Nacional proteger sua competência legislativa contra interferências de outros poderes.
Uma possível decisão do STF visando regulamentar as redes sociais ignora a função do Legislativo e prejudica a estabilidade democrática, ao centralizar poderes normativos em um órgão que não tem mandato popular direto. Essa centralização de autoridade estabelece um precedente arriscado, permitindo que decisões judiciais futuras invadam ainda mais as prerrogativas exclusivas do Poder Legislativo.
A ação judicial em questões regulatórias provoca efeitos econômicos consideráveis, particularmente em um setor que necessita de normas claras para operar de forma eficaz. Decisões incoerentes ou sem suporte legal podem inibir a inovação, elevar os gastos operacionais e limitar o acesso a serviços digitais de alta qualidade.
Ademais, essa ação prejudica a legitimidade institucional do STF, que tem a função de proteger a Constituição, assegurando o cumprimento dos princípios e valores constitucionais. Ao ultrapassar seus próprios limites, o Poder Judiciário pode comprometer sua autoridade e credibilidade diante da sociedade.
O esforço para regular as redes sociais por meio de decisões judiciais ultrapassa as fronteiras da competência do STF, infringindo os princípios de separação de poderes, legalidade, segurança jurídica, proporcionalidade e liberdade de expressão. Apenas o Congresso Nacional tem a autoridade e os meios para fomentar um debate amplo e democrático.
O Supremo Tribunal Federal, como "defensor" da Constituição, deve respeitar as fronteiras de sua jurisdição e trabalhar para assegurar que qualquer regulamentação futura cumpra os princípios constitucionais, consolidando o Estado Democrático de Direito e mantendo a harmonia entre os poderes. Qualquer desvio dessa função prejudica os alicerces da democracia e ameaça os direitos básicos que a Constituição visa salvaguardar.
Gregório Rabelo, advogado e empresário, é especializado em Direito Constitucional e Legislativo. Atua como assessor jurídico-legislativo na Câmara dos Deputados.
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