Na relação laboral, o trabalhador sempre se encontra em desvantagem e não foi por outra razão que foi criada uma Justiça do Trabalho: para tornar mais simétrica a relação entre empregador e empregado
Os empregados não são obrigados a receber o salário pelo banco parceiro da empresa na qual trabalham. Para ilustrar o que quero relatar e concluir, contarei uma pequena história: "João dos Santos sempre foi correntista do banco X. Por ter sido bom cliente deste banco, João gozava de taxas de juros privilegiadas, além de outras prerrogativas que ele dificilmente conseguiria num novo banco pela abertura de uma nova conta. De repente, João recebeu um comunicado de seu gerente de RH relatando que o seu salário passaria a ser depositado diretamente na conta número tal do banco Y (um outro banco). A nova conta no novo banco já estava aberta, sem que João tivesse sido consultado. O banco Y já era detentor de todas as informações de João".
Vários dispositivos constitucionais são desrespeitados nessa prática corrente entre empresas e bancos. As inconstitucionalidades são: a) quando o caput do art. 5.º da Carta de 1988 menciona a palavra liberdade, dá-lhe a significação não só de liberdade de locomoção, mas também de escolha; b) ninguém é obrigado a receber salários pelo banco escolhido pelo patrão. Isso decorre do inciso II do mesmo art. 5.º, que reza: "Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei"; c) a empresa que contrata um banco porque este lhe propicia vantagens não pode passar ao banco contratado as informações de seus empregados. Isso configura quebra de sigilos bancário e fiscal porque "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação" (art. 5.º); d) o ato de abrir contas em bancos pode ser comparado ao ato da associação. Sobre a liberdade de associação, diz a Constituição (art. 5.º): "XVII é plena a liberdade de associação (...)" e "XX ninguém será compelido a associar-se ou a permanecer associado"; e) a relação entre bancos e clientes é de consumo, e "XXXII o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor" (art. 5.º, CF/88). Fora isso, na relação laboral, o trabalhador sempre se encontra em desvantagem e não foi por outra razão que foi criada uma Justiça do Trabalho: para tornar mais simétrica a relação entre empregador e empregado.
Essa prática, de as empresas obrigarem os seus empregados a receber os seus salários por intermédio dos bancos que atendem aos interesses das empresas, e não aos dos trabalhadores, causa mais um fator de desigualdade a relegar quem trabalha a segundo plano; f) o salário tem caráter alimentar, não sendo passível de qualquer meio de restrição haja vista que fere princípio constitucional, calcificado de forma irrefutável pelo corolário jurisprudencial pátrio. Daí porque forçar o empregado a receber pelo banco Y equivale à penhora provisória e o salário não é passível de penhora. E não há que se dizer, pelos empresários, que os empregados podem requerer a portabilidade para o banco de origem (da escolha deles). Ora, se o salário é meu e se é com ele que eu sustento a minha família, tenho o direito de não querer que ele seja depositado em banco que não seja o apontado por mim.
A medida contra a prática que vem sendo tomada pelas empresas em obrigar os seus trabalhadores a receber pelo "parceiro" banco "empresarial" se encontra expressa no art. 5.º, inciso LXIX, da Constituição: "conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou pelo abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do poder público". É de se lembrar que os empregados que se sentem prejudicados por essas condutas poderão, com base no art. 5.º, inciso X, da CF/88 requerer judicialmente, por meio de ações ordinárias de indenização, os valores que tiveram surrupiados nas transações bancárias encabeçadas pelos bancos parceiros de seus patrões, além de terem direito a indenização moral.
Alexandre Coutinho Pagliarini, advogado e pós-doutor pela Universidade de Lisboa, doutor e mestre pela PUCSP, é professor Titular da UNIT (Aracaju/SE), professor Titular da FITS (Maceió/AL) e professor Visitante na Universidade de Lisboa.
Impasse sobre apoio a Lula provoca racha na bancada evangélica
Símbolo da autonomia do BC, Campos Neto se despede com expectativa de aceleração nos juros
Copom aumenta taxa de juros para 12,25% ao ano e prevê mais duas altas no próximo ano
Eleição de novo líder divide a bancada evangélica; ouça o podcast