A chamada era digital já transformou toda a área da saúde. Inovações como a telemedicina, a inteligência artificial, a robótica, os dispositivos de monitoramento remoto trazem, junto a grandes promessas, importantes desafios e conflitos éticos que exigem uma avaliação cuidadosa por todos os setores da sociedade.
A telessaúde, por exemplo, já permite o acesso à consulta por meio de celulares ou de computadores nas mais diversas áreas, incluindo medicina, nutrição e psicologia, o que otimiza o processo de cuidado e permite superar barreiras geográficas de populações remotas. Contudo, essas novas modalidades de atendimento também levantam preocupações sobre os processos de humanização no cuidado, a privacidade dos dados dos pacientes e a eficácia de determinadas orientações à distância.
O manuseio de grandes volumes de informações de saúde requer uma gestão ética rigorosa para proteger a privacidade individual
Outro exemplo de impacto na saúde de nossa era digital são as inteligências artificiais. Essas tecnologias têm o potencial de aprimorar a precisão dos diagnósticos e personalizar os tratamentos, bem como oferecer aos pacientes informações detalhadas sobre suas doenças. No entanto, também podem aprofundar desinformações, bem como perpetuar preconceitos existentes em seus dados de treinamento, levando a diagnósticos incorretos ou inadequados para certos grupos historicamente estigmatizados ou excluídos, como negros e indígenas.
Os dispositivos de monitoramento contínuo de saúde, como relógios inteligentes e sensores corporais, também são exemplos do impacto da era digital, pois permitem o acompanhamento constante de condições físicas e a sinalização de intervenções preventivas. No entanto, a coleta contínua de dados pessoais e seus usos pelas empresas que fazem seu manejo também levantam questões sobre privacidade e consentimento. Além disso, a utilidade de muitos destes dados para as pessoas leigas permite questionar sobre os riscos de má-interpretação das informações registradas.
Outra questão ética importante, é que a tecnologia digital tem o potencial de democratizar o acesso aos cuidados em saúde, mas também pode marginalizar aqueles que não tem recursos ou habilidades com as novas tecnologias, como as pessoas mais pobres, as que vivem em situação de rua ou idosos que não se familiarizaram com a “era digital”.
Não menos importantes são os usos de big data na saúde. Se por um lado possibilita análises epidemiológicas rápidas e profundas, permitindo identificar e enfrentar problemas de saúde pública, o manuseio de grandes volumes de informações de saúde requer uma gestão ética rigorosa para proteger a privacidade individual e evitar a comercialização indevida desses dados, especialmente por operadoras e planos de saúde, que podem utilizar tais dados para excluir o acesso por determinados grupos ou perfis de pessoas.
Assim, enquanto a era digital oferece possibilidades sem precedentes para melhorar a saúde individual e coletiva, é necessário que tais avanços sejam acompanhados por uma regulação ética profunda. Agentes governamentais, profissionais de saúde, formuladores de políticas públicas, desenvolvedores de tecnologia e representantes de todos os setores da sociedade devem atuar conjuntamente para criar um ambiente onde a inovação tecnológica e a responsabilidade ética caminhem juntas, assegurando que a saúde digital beneficie a todos e todas de maneira justa, equitativa e segura.
Thiago Rocha da Cunha é professor no programa de pós-graduação em Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e um dos responsáveis pelo V Congresso Internacional Ibero-Americano de Bioética e o XI Congresso de Humanização e Bioética que acontecem de 2 a 5 de julho de 2024, na PUCPR em Curitiba.