O leitor, estou certo, é o melhor termômetro para medir a temperatura da opinião pública. Tomar seu pulso equivale a uma pesquisa qualitativa informal. Em meu último artigo neste espaço opinativo, defendi o conceito de jornalismo propositivo: aquele que não fica na denúncia, mas avança no terreno das soluções. Aposta na análise aprofundada, no debate plural e no diálogo civilizado.
Pois bem, para além da repercussão nas redes sociais, sempre viva, intensa e animada, recebi diretamente 204 e-mails. Uma bela amostragem de opinião pública, sobretudo considerando a diversidade etária, geográfica, profissional e social dos remetentes. Faço questão de dar publicidade ao meu e-mail. O respeito aos meus leitores e o desejo de ouvir suas opiniões, sugestões e críticas é algo profundamente enriquecedor.
Um denominador comum saltou diante dos meus olhos: os leitores estão cansados de narrativas enviesadas e querem apuração factual rigorosa. Sobretudo pedem diálogo, discussão aberta e propositiva. Reproduzo aqui, honrado, e-mail do doutor Raul Cutait, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e cirurgião do Hospital Sírio-Libanês.
Ao longo deste ano, alguns jornalistas da grande mídia, sobretudo na cobertura de política, em nome de suposta independência, têm enveredado excessivamente pelo que eu chamaria de jornalismo de militância
“Ao ler seu artigo, ocorreu-me imediatamente a analogia do jornalismo propositivo com a atividade médica. O jornalismo em busca das verdades e dúvidas, da informação, do que aflige e do que conforta, do que anima e traz esperança, equivale à busca de um bom diagnóstico. Assim como este deve ser seguido de propostas ou medidas terapêuticas, creio que o jornalismo propositivo, como bem colocado em seu artigo, sempre que possível deve fazer parte do ‘pacote’. Aliás, acredito que atualmente, mais do que nunca, a imprensa escrita é valorizada por articulistas que não só escrevem sobre os acontecimentos, mas propõem caminhos ou soluções para os temas abordados”. Falou tudo. Acrescentaria que tal demanda de soluções deve ser ofertada em todas as plataformas.
Sou apaixonado pelo jornalismo. Escrevo na imprensa tradicional e participo intensamente das novas mídias. Ambas são importantes. Não são excludentes.
A reinvenção do jornalismo passa, necessariamente, pelo retorno aos sólidos pilares da ética e da qualidade informativa. A crise do jornalismo está ligada à falência da objetividade e ao avanço do subjetivismo engajado. Quase sem perceber, alguns jornais sucumbem à síndrome da opinião invasiva.
É preciso apostar na informação. Sentir o cheiro da notícia. Persegui-la. Buscar novas fontes e encaixar as peças de um enorme quebra-cabeças para apresentá-lo o mais completo possível. Dentre as competências necessárias para exercer um bom jornalismo, algumas parecem ser inatas e, por mais que se tente aprender, inútil será o esforço. É assim o tal “faro jornalístico”. Uma capacidade quase inexplicável que alguns profissionais possuem de descobrir histórias inéditas, de furar a concorrência e manter pulsando a certeza de que é possível produzir conteúdo de qualidade que sirva ao interesse público.
Nunca se pôs em xeque o papel essencial do instinto jornalístico. Nem eu pretendo fazê-lo agora. Como já venho reiterando há tempos neste espaço, apenas essa vibração será capaz de devolver a alma que, por vezes, percebo faltar ao trabalho das redações. O que quero é acrescentar um aspecto que julgo importante nesta discussão: na era digital, a intuição pode e deve ser apoiada pelos números. A informação precisa ser bem fundamentada.
Realidades que pareciam alheias aos negócios da mídia estão cada vez mais próximas dos veículos. É o caso do Big Data. A cada dia os acessos digitais aos portais de notícias produzem quantidades incríveis de dados sobre o comportamento de nossas audiências, mas ainda não fomos capazes de enxergar o potencial que há por trás dessa montanha de informação desestruturada. Nas redações brasileiras, multiplicam-se as telas coloridas que trazem, minuto a minuto, indicadores e gráficos mirabolantes. Ao fim de um dia de trabalho, qualquer editor está habilitado a responder quais foram as reportagens mais lidas.
Mas e depois disso? Já não basta que definamos nós o que precisam os consumidores de informação. É preciso ouvir o que eles têm a dizer. É preciso sentir o seu pulso. O ambiente digital rompeu a comunicação unidirecional que, por muitas décadas, imperou nas redações. O fenômeno das redes sociais estourou a bolha em que se confinavam alguns jornalistas, que produziam notícias para muitos, menos para seu leitor real. Além disso, perdemos o domínio da narrativa. Chegou a hora das pautas com pegada.
Consumidores de jornais mostram cansaço com o excesso de negativismo de nossas matérias. Trata-se de um fato percebido nas redes. Ao longo deste ano, alguns jornalistas da grande mídia, sobretudo na cobertura de política, em nome de suposta independência, têm enveredado excessivamente pelo que eu chamaria de jornalismo de militância. E isso não é bom.
Precisamos olhar para nossas coberturas e questionar-nos se há valor diferencial no que estamos entregando aos nossos consumidores. Impõe-se um jornalismo menos anti e mais propositivo.
Carlos Alberto Di Franco é jornalista.
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