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 | Fotos:Nelson Almeida/AFP
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“Nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio, pois na segunda vez o rio já não é o mesmo, tampouco o homem”. Nada mais adequado de que o conhecido pensamento de Heráclito de Éfeso (535 a.C. a 475 a.C) para lembrar ao candidato do PT à presidência da República, Fernando Haddad, de que os bons tempos do primeiro mandato do presidente Lula (2002-2006) não voltarão. As águas do rio, hoje, são bem diferentes. A felicidade que promete ao povo não passa de mais uma quimera.

O país ainda sofre os efeitos da maior recessão econômica de sua história, fruto do desgoverno da ex-presidente Dilma. Lembrando um pouco: o desemprego subiu de 5,30% para 11,5% (12, 3 milhões), a inflação saltou de 5,90% para 9,28%, o PIB partiu de um crescimento de 7,53% ao ano para uma retração de 3,90% ao ano, a dívida interna aumentou em mais de 70% e algumas das maiores empresas tiveram perda expressiva de valor de mercado, como a Vale, com queda de 63,45% no valor da ação, e a Petrobras, com recuo de 55,85% na cotação do papel.

Em vez de garantir que o Brasil pode “voltar a ser feliz”, o ex-prefeito de São Paulo deveria dizer, caso eleito, como governaria um país dividido entre “nós e eles”, a ala do PT com seus mocinhos, e a ala dos adversários, povoada de bandidos. Pelo que se conhece, a ala que prega a dualidade é majoritária na sigla. E não abandonará a oportunidade para dar o troco nos “golpistas”, como chama todos aqueles que aprovaram o impeachment de Rousseff.

Os políticos brasileiros são pragmáticos. Não agem sob o lume das ideologias

Da mesma forma, o capitão Jair Bolsonaro, candidato do PSL à presidência, deveria tentar mostrar como governaria um país rachado ao meio sob a sombra de uma identidade profundamente impregnada de conservadorismo e de uma história pontilhada de manifestações de racismo, homofobia e misoginia. Mais: que papel terão as Forças Armadas em seu governo, sabendo-se da defesa que faz dos anos de chumbo e do aceno a militares, com os quais quer compartilhar a administração.

O fato é que a ingovernabilidade paira sobre o próximo ciclo governamental, qual seja o vitorioso, um dos dois, como é mais provável. O Brasil é muito diferente do território governado por Lula, a partir de 2002. As condições internacionais são também bem diferentes. E, como se sabe, a governabilidade de uma nação é também resultante da geopolítica mundial, principalmente nesse ciclo de contundentes batalhas comerciais e teias protecionistas, envolvendo Estados Unidos, China e países europeus.

Se o PT voltar ao centro do poder, com Haddad na cadeira presidencial, abrirá largas fissuras nas alas que abriga, a partir dos componentes “duros” do partido, como a presidente Gleisi Hoffman, vestindo a nova roupa de deputada e liderando o movimento pelo indulto ao ex-presidente Luiz Inácio. O próprio poderá não desejar a liberdade sob o perdão presidencial, mas o fato é que sua figura estará no centro dos rumos petistas. A ala que prega mudanças no petismo, até sinalizando com a renovação partidária e desenhando um traçado pós-Lula, insistirá em sua posição.

Leia também: Eleições e visão de Estado (artigo de Gaudêncio Torquato, publicado em 17 de setembro de 2018)

Leia também: O ataque a Bolsonaro e a doença da nossa política (editorial de 6 de setembro de 2018)

Não será fácil a um eventual governo do PT passar uma borracha em projetos e linhas programáticas fixadas na administração anterior. Veja-se o caso da reforma trabalhista. Revogar essa lei exigirá intensa articulação com deputados e senadores. Para mudar proposições, o novo governo teria de fazer amplas concessões aos corpos parlamentares. Que cobrarão do presidente largos nacos de poder. Os políticos brasileiros são pragmáticos. Não agem sob o lume das ideologias.

De sua parte, o capitão Bolsonaro, cujo porte é bem menor do que exige o comando da 9.ª economia do mundo, teria de fazer intenso cursinho de articulação para negociar com seus pares na Câmara, onde passou anos habitando espaços do “baixo clero”, e junto ao Senado. Seu guru na economia, mesmo sob as bênçãos do mercado, enfrentaria resistências para aplicar sua visão ultraliberal (“privatizar tudo”), devendo se submeter às correntes progressistas das casas parlamentares.

Mais feia será a paisagem social, onde militâncias bolsonarianas e petistas tendem a partir para o confronto, não sendo improváveis rastros de sangue em algumas praças de guerra. O apaziguamento social só ocorreria com a volta do emprego e a melhoria do bem-estar social. Moldura que demora para ser montada.

Haddad ou Bolsonaro, cada qual a seu modo, terá de enfrentar o desafio: unir as bandas de um país conflagrado por bílis, ódio e desejo de vingança.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação.
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