O patrono dos turistas internacionais é, sem dúvida, Mark Twain, que escreveu um diário de viagem inesquecível e impagável (Innocents Abroad), de onde tirei o título para este artigo. Lembro-me dele sempre que boto os pés fora do Brasil, desta vez para rever a gloriosa Anna Clara, nossa neta alemã que ainda não chegou aos 2 anos, mas já está na escola, onde as professoras levam as crianças para brincar na neve – para desespero da avó, que aguarda uma pneumonia para breve, embora por enquanto a nossa "alemoa" esteja corada e bem disposta.

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Já contei aqui mesmo que Garmisch-Partenkirchen, a cidadezinha da Baviera onde a família Castor-Lohmann mora, tem 30 mil habitantes, nenhum papel no chão, nenhuma pichação nas paredes, um índice de criminalidade minúsculo (a cidade ainda está chocada com o único assassinato de 2012) e aquele aspecto manicurado de caixa de bombons ou de brochura turística de esportes de inverno. A organização é tanta que oprime. A cada nevasca – e elas se multiplicam nessa época – se segue uma frenética multidão de alemães e alemãs com pás retirando a neve do chão, mesmo sabendo que uma hora depois ela estará alta de novo.

As konfitorei (confeitarias) são magníficas, mas um amante do nosso conhecido sonho (berliner) tem de aproveitar antes que acabe a temporada da iguaria, pois – por alguma razão obscura – sonhos só são produzidos e comidos em algumas épocas do ano. O cardápio das confeitarias e restaurantes muda em horários implacáveis: antes das 11 horas em ponto, é impossível comer algo que não seja próprio do café da manhã; e nem pense em pedir os pratos servidos no horário do almoço um minuto após as 15 horas.

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O espetáculo da Paixão de Cristo é encenado na cidade de Oberammergau com artistas amadores locais e tem fama mundial, mas só é apresentado uma vez a cada dez anos. Nos outros nove, o jeito é ir à brasileiríssima Nova Jerusalém – aliás, um espetáculo belíssimo. É claro que ninguem é de ferro e mesmo o hábito de começar o carnaval antes da hora, que parecia ser uma exclusividade da nossa cultura preguiçosa dos trópicos, tem seus similares na mutterland dos alemães: a weiberfastnacht é a festa carnavalesca local que começa na quinta-feira, com grandes libações e consumo industrial de cerveja.

Minha única e intrigante dúvida é como Anna Clara vai enfrentar a língua alemã, agora que está começando a falar. Maldosamente, Mark Twain classificou a língua de Schiller, Goethe e Max Weber como "medonha", com sua declinação de adjetivos, seus verbos separados (metade da palavra no início da frase, a outra no fim) e suas expressões gigantescas que parecem um Lego vernacular. Mas não deixa de ter certa razão.

Com divertido exagero, mas não tanto, Twain cita o caso do assassino (attentater) de uma mulher da tribo australiana hotentote (hotenttottermutter) que tinha um filho surdo-mudo (stottertrottel), obviamente denominado de Hottentottenstottertrottelmutterattentäter. Como o assassino fugiu e foi recapturado em um local que não tinha uma cadeia, foi posto em em uma jaula (kotter) guarnecida de tela (lattengitter) utilizada para prender cangurus (beutelratten). Por que não denominar o assassino da mãe hotentote do garoto surdo e mudo que estava na jaula de cangurus coberta de tela de simplesmente Beutelrattenlattengitterkotterhottentotterstottertrottelmutterattentäter?

Simples, não é? Pobre Anna Clara.

Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.

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