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Opinião do dia 2

Inovação polêmica

A introdução pelo Senado Federal do § 4.º, ao artigo 6.º, da Lei n.º 10.593/2007, tem provocado celeuma jurídica entre os setores interessados. A razão imediata decorre de a matéria estar submetida atualmente à apreciação do presidente da República, para veto ou sanção.

Estabelece tal dispositivo que "no exercício das atribuições da autoridade fiscal de que trata esta lei, a desconsideração da pessoa, ato ou negócio jurídico que implique reconhecimento de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício, deverá sempre ser precedida de decisão judicial".

Trata-se de disciplinação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica que, a bem da verdade, não constitui novidade jurídica no país. Desde a edição do Código Tributário Nacional, em 1965, o seu artigo 135 consagrava com relação a determinadas pessoas, basicamente administradoras de bens de terceiros, a responsabilidade pelos créditos tributários correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração da lei, contrato social ou estatutos. Posteriormente, a Lei Complementar n.º 105, de 2001, introduziu parágrafo único ao artigo 116 do citado Código possibilitando a desconsideração dos atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador ou de elementos constitutivos da obrigação tributária. Deu-se esse dispositivo a denominação de cláusula antielisiva.

Mudaram o ambiente e a prática dos negócios no país. A partir da década de 90 do século passado, ocorreu processo intensificado de fusões, incorporações e cisões de empresas. Essas transformações societárias, realizadas em busca de competitividade e eficácia operativa, também tiveram componente tributário, a economia de tributos.

O instrumento adotado foi o planejamento tributário, método destinado a realizar a elisão tributária, vale dizer, obter redução ou eliminação de tributos, utilizando meios legais.

A tentativa de disciplinar a viabilização processual da desconstituição da personalidade jurídica, por decorrência de dissimulação, prevista pela Medida Provisória n.º 66, não foi convertida em lei.

O Fisco, de seu lado, incorporou aos seus programas de fiscalização a teoria da desconstituição da personalidade jurídica para exigir tributos do que considerou, por processo interpretativo, objeto de simulação ou artifício malicioso.

É o que tem ocorrido na área da prestação de serviços. Determinados setores empresariais, que tradicionalmente utilizavam pessoas físicas nas suas atividades laborais, contratadas como submetidas ao vínculo trabalhista, em face da severa tributação (contribuição previdenciária e imposto de renda) mudaram seu comportamento. Começaram a dar preferência à utilização de prestações de serviços, contratadas à pessoa jurídica. Essa opção tornou-se prevalente no mercado, pois beneficia, por diminuição dos encargos tributários, tanto à empresa que necessita desses serviços, como ao prestador, sob a forma de empresa. Tal tipo de contratação alastrou-se pelo mercado.

Como já tem ocorrido tantas vezes na história legislativa dos tributos, veio o citado § 4.º, do artigo 6.º da Lei n.º 10.593/2007, para resolver normativamente litígios que se avolumam.

A Fiscalização federal considera que a inovação legal compromete o exercício pleno de suas atribuições. Os setores submetidos às auditorias tributárias estão mais tranqüilos, posto que antes da exigência de tributos pelo Fisco, por aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, há que haver o prévio pronunciamento judicial, sobre a existência de relação de trabalho, com ou sem vínculo empregatício. Matéria que exigiria a prova pelo Fisco da ocorrência de artifício malicioso, dolo, abuso de poder, simulação, dissimulação, estará antes esclarecida pelo Poder Judiciário.

Inovações trazem surpresas, provocando satisfações ou resistências. Para os contribuintes foi instituída garantia do devido processo legal e do direito de ampla defesa, que se harmonizam com a Constituição e o ordenamento tributário.

Ao Fisco, cuja ação sempre decorre da lei, à qual deve fidelidade, foram estabelecidos os limites de atuação. Se não ocorrer veto a esse dispositivo, cumpre aplicá-lo, pois, embora de forma parcial, versa sobre o procedimento legal a que se refere o § único do artigo 116, do Código Tributário Nacional.

Ponto positivo a se extrair dele é o de que poupa à Fiscalização ônus de provar a ocorrência de dolo, fraude, simulação, dissimulação, abuso da forma ou de direito, praticados pelo contribuinte. O Judiciário é que ficará antecipadamente com tal encargo, se tais vícios tiverem ocorrido.

Osíris de Azevedo Lopes Filho é advogado, professor de Direito na Universidade de Brasília – UnB – e ex-secretário da Receita Federal.

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