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Até as pedras de Brasília sabiam que um golpe de Estado estava sendo gestado na capital nos dias que se seguiram à declaração da vitória de Lula em 2022. Milhões de pessoas pelas ruas de todo país pediam “intervenção militar”, nas portas dos quartéis. Boatos sobre relatórios comprovando a fraude eleitoral circulavam nas redes e nas ruas. Por algum motivo, no entanto, depois de “mais 72 horas”, nada veio. Alexandre de Moraes nunca foi preso. E, antes do fim do ano, Bolsonaro simplesmente saiu do país.
E, então, dia 8 de janeiro, com todos os comandantes militares substituídos e sem Bolsonaro como comandante-em-chefe, soltaram a energia represada nos acampamentos do quartel-general de Brasília. Àquela baderna desorganizada e sem objetivo, a propaganda oficial do governo e do STF chamou de “tentativa de golpe”.
O recado é claro. Não é permitido questionar as urnas. Não é permitido retestar o código fonte. Não é permitido opinar negativamente sobre o processo eleitoral brasileiro. Faça isso, e sua vida será destruída.
Agora tudo isso ficou para trás. Depois da vitória de Trump, da queda de popularidade de Lula e do fracasso em transformar o “Tiu” dos fogos de artifício em Osama Bin Laden, Alexandre de Moraes levantou o sigilo de um inquérito da Polícia Federal que investigava a verdadeira trama do verdadeiro golpe, o que não foi dado, de dezembro de 2022. Ninguém tem dúvida que houve conspiração. Igualmente, ninguém tem dúvida de que não houve golpe porque as FFAA não aderiram ao plano. Mas nesse inquérito há coisas que até Deus duvida.
Sabendo que planejamento de um crime não tentado não é crime, a peça varia de tentativas absurdas de afirmar que o golpe foi colocado em curso, mas frustrado (porque um agente não conseguiu um táxi) a afirmações dramáticas de que um dos conspiradores cogitou o assassinato do presidente eleito e de Moraes no momento do golpe, coisa que nem na revolução de 1917 se fez.
Não se pode duvidar da estupidez de pessoas que discutem um golpe de Estado via WhatsApp, burrice nesse nível deveria dar prisão perpétua. Mas como achar que os verdadeiros chefes do golpe, que tinham a fragilidade da falta de apoio internacional e ilegitimidade, iriam querer provocar tamanha comoção, atraindo toda repulsa internacional e nacional? Ninguém acredita nisso.
Ao investigar um crime, busca-se estabelecer o fato, o meio, a oportunidade e o motivo. O grande ausente até agora da barulheira em torno do caso é esse último elemento. Há generalizado consenso de que 1) Houve planejamento de um golpe; 2) A cúpula das FFAA não aderiu; 3) Bolsonaro não assinou o decreto (minuta) o iniciando. Mas todo mundo também sabe qual era a motivação manifesta do golpe: a certeza, absoluta, dos conspiradores, de que haviam sofrido uma fraude eleitoral.
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Ninguém pode ler os diálogos nos quais se baseia a denúncia e concluir que as pessoas que se sentiam seguras para falar de preparativos de um golpe por via eletrônica estavam simulando suas convicções sobre a fraude e a parcialidade do TSE. Mas a covarde perseguição que o STF sempre moveu contra todos aqueles que questionam nossas urnas faz com que tenhamos um golpe sem motivo no noticiário.
Há indiciamentos verdadeiramente vergonhosos pedidos pelo inquérito da PF. Waldemar da Costa Neto está indiciado por ter usado "a estrutura do PL para fazer ataques às urnas eletrônicas", ou seja, para fiscalizá-las, exatamente como a legislação eleitoral manda fazer. O problema é que o PL concluiu por sua insegurança, e essa conclusão não é permitida de fato. O empresário argentino Fernando Cerimedo, ligado a Milei, aquele que fez a live apontando padrões estatísticos impossíveis para o acaso na votação para presidente, também foi indiciado.
O mais revoltante de tudo, a PF também indiciou por crimes de abolição do Estado de Direito, golpe de Estado e organização criminosa o engenheiro Carlos Cesar Moretzsohn, o pai das urnas brasileiras, que as desenvolveu para o TSE, simplesmente porque prestou assessoria ao PL sobre a fragilidade das urnas. O recado é claro. Não é permitido questionar as urnas. Não é permitido retestar o código fonte. Não é permitido opinar negativamente sobre o processo eleitoral brasileiro. Faça isso, e sua vida será destruída.
Enquanto isso, o ministro Barroso já começou a declarar voto e falar fora dos autos para a imprensa; o ministro Moraes é a vítima, o juiz de instrução, o investigador, o promotor, a testemunha, o juiz e o juiz de execução penal de todos os processos relativos a Bolsonaro. Esse ambiente é exatamente o caldeirão de arbítrio que alimentou a revolta dos golpistas. Não deu certo da primeira vez, não vai dar certo nesta, até que um dia, finalmente, dê muito errado.
Gustavo Castañon é professor de Filosofia e Psicologia na Universidade Federal de Juiz de Fora.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos