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| Foto: Sergio Lima/AFP

Com os recentes escândalos envolvendo os empresários Joesley e Wesley Batista, donos da JBS, culminando com as prisões de ambos, acalentou-se o debate sobre o hip do insider trading, e qual é o posicionamento do Brasil em comparação ao mundo. Por se tratar de conceito originariamente norte-americano, envolto em instruções da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e operações financeiras, a verdade é que o assunto gera mais entraves do que esclarecimentos, e poucos são os que se atrevem a afirmar qualquer certeza.

Para compreendermos melhor, o instituto do insider trading nada mais é que o uso indevido de informação privilegiada. Mas isso não quer dizer que o leitor ou seu funcionário, por revelarem no almoço de domingo os balancetes financeiros e a quebra de caixa da empresa, estejam cometendo crime contra o mercado de capitais. Pode ser uma questão séria para o RH e a ética interna, mas não para a Polícia Federal.

Na letra da lei, instituída em 1976, tem-se que, para configurar o crime de divulgação de informação privilegiada, é preciso “utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenham conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários”. Ou seja, não é qualquer reles mortal que pode ser sujeito (praticar o ato) de insider trading. É preciso ser acionista controlador, diretor, membro do Conselho de Administração, do Conselho Fiscal ou de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas de companhias abertas que negociem valores mobiliários. Com tais normativas em mente, já é possível dimensionar o tamanho do problema.

Os crimes contra o mercado financeiro têm penas equivalentes a furtos de galinhas

Os irmãos Batista estão sendo investigados pelo uso de informação privilegiada (insider trading) em transações no mercado financeiro entre 24 de abril e 17 de maio deste ano. Mais especificamente, sobre a incomum e espantosa compra de dólares por parte da JBS, curiosamente logo antes da divulgação do acordo de colaboração premiada, envolvendo a gravação de conversas entre Joesley e o atual presidente da República, Michel Temer (PMDB). A suspeita – ora confirmada por provas, segundo a Polícia Federal – é de que, por saberem da repercussão da delação premiada na bolsa de valores, já previamente negociaram em moeda estrangeira, protegendo suas ações e auferindo um lucro de montantes exorbitantes, na casa dos bilhões.

A questão fica ainda mais desafiadora quando se leva em conta que a legislação brasileira, diferentemente da norte-americana e europeia, não especifica o que são operações com derivativos – ora realizadas pela alta cúpula executiva da JBS – em seu ordenamento jurídico. Questiona-se se as aludidas atividades sucedidas no mercado de derivativos em moeda estrangeira se enquadram no rol de valores mobiliários. E, se sim, como seria o processo pela CVM. Ainda que a lei tenha vindo em 1976, a CVM só regulamentou o tema em 2002, instituindo que é vedada a negociação com valores mobiliários de sua emissão no mercado, antes da divulgação de ato ou fato relevante ocorrido nos negócios da companhia.

A recente inclusão do crime no ordenamento jurídico brasileiro já traz uma defasagem do Brasil em comparação a legislações estrangeiras. A saber, os Estados Unidos já mencionava o instituto em seu Securities Exchange Act, datado de 1937, mas mesmo antes havia julgados condenando a prática já em 1873, quando o congressista Oakes Ames foi censurado por subornar outros representantes para evitar investigações sobre seus contratos governamentais que beneficiavam as empresas ferroviárias e de construção em que ele era o acionista – exatamente por já saber as diretrizes que o governo iria adotar, e se antecipar valorizando suas próprias ações.

Leia também:Os princípios de ontem e os crimes de hoje (artigo de Gustavo Scandelari, publicado em 18 de setembro de 2015)

Assim, tendo em vista se tratar de um tipo legal muito jovem, além de bastante específico, como se dará o curso do processo, é algo difícil de prever. Todo esse mistério se dá pelo fato de que somente quatro foram os casos levados a julgamento no Brasil por insider trading. Os outros tantos – ainda pouco denunciados – são resolvidos internamente dentro da própria CVM.

A primeira condenação por esse crime ocorreu em 2011 e teve sua decisão mantida pelo STF, em maio deste ano. Foi o caso dos ex-executivos da Sadia que, por terem tido acesso a informações privilegiadas sobre a oferta de compra da Perdigão, e cientes de que as ações da Perdigão se valorizariam, compraram ações da empresa na Bolsa de Nova York em 2006. Outro caso teve seu processo arquivado, e dois seguem tramitando na Justiça. A lembrar, em um deles o empresário Eike Batista é o réu, fato que também foi vastamente noticiado pela mídia quando de seu acontecimento.

No entanto, a maioria dos casos não chega à esfera penal, e é resolvido administrativamente dentro da própria CVM. Os professores do Núcleo de Estudos em Mercados e Investimentos da FGV Direito, também autores do livro Insider trading: normas, instituições e mecanismos de combate no Brasil, sustentam que “não há homogeneidade na tomada de decisão nem por parte de quem propõe medidas administrativas e judiciais e nem por parte de quem julga”.

Leia também:A delação e a impunidade (editorial de 24 de maio de 2017)

Para se ter uma ideia, em uma análise puramente matemática das penas, os crimes contra o mercado financeiro, como manipulação de mercado, insider trading e exercício irregular de cargo, profissão, atividade ou função têm penas equivalentes a furtos de galinhas. É o que sustenta – e lamenta – o juiz João Batista Gonçalves, titular da 6.ª Vara Federal Criminal de São Paulo, especializada em crimes financeiros. Em uma comparação rude, confronta-se a tratativa no Brasil com a punição norte-americana, que prevê até 20 anos de reclusão, e uma multa de até US$ 5 milhões para crimes com esse potencial lesivo à economia.

A suavidade com que o tema é tratado pelo Judiciário e, principalmente, pelas casas legislativas tem sua explicação, que não por surpresa é a mesma que vem atravancando varias das medidas da Lava Jato. Infelizmente, parcela dos executivos e acionistas majoritários das grandes empresas, que poderiam vir a ser punidos por crimes contra o mercado financeiro, são exatamente os mesmos que financiam as maiores campanhas políticas. Assim, poucos são os congressistas que aceitam levantar essa bandeira e pesar a mão nas penas e multas aplicadas.

O posicionamento do Brasil perante os outros países segue em uma linha bastante tênue. Ou é um país que alivia muito seus poderosos empresários, ou é um país que pune severamente sua população pobre. Pois uma coisa é certa: é preciso muitas galinhas para se chegar a um bilhão de reais.

Caroline Paciornick Zorzetto é especialista em Direito Tributário. Gustavo Athayde é especialista em Direito Empresarial.
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