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Desde 1930, apenas quatro presidentes da República eleitos para exercer o cargo conseguiram terminar seus mandatos: Eurico Gaspar Dutra, Juscelino Kubitschek de Oliveira, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Instabilidades e rupturas são a tônica da história política brasileira. A regra do jogo no Brasil é alterá-la durante a partida. Talvez por isso, com o perdão da ironia, convivamos bem com golpes e anistias.

No caso atual de interrupção de mandato, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ex-presidente da Câmara dos Deputados, tinha procuração para ditar a velocidade do processo. No Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), quando acionado, cumpriu seu papel e votou pelo impeachment. O interino Michel Temer (PMDB-SP) conspirou abertamente ao oferecer cargos e pedir votos para o impedimento se consumar. O plano colocado em prática envolveu também uma ferramenta eficiente: a ruptura legal, não por menos levando ao poder um constitucionalista.

Data venia, o direito não pode ser alçado para legitimar mudanças políticas ilegítimas, do contrário perderia sentido o conceito de Estado de exceção. Não nos esqueçamos de que o direito foi álibi da Inquisição (o direito canônico) e do genocídio de judeus pelo nazismo (a Constituição de Weimar emendada pelo Reichstag), e que o sistema de Justiça nacional é integrado pelo Supremo Tribunal Federal, Tribunal de Contas da União, polícias etc.: órgãos apegados às tradições, à retórica reacionária e às benesses oriundas do campo político.

O direito não pode ser alçado para legitimar mudanças políticas ilegítimas

Prova de que o impeachment revelou-se uma trama jurídica executada a contento foi o pronunciamento antecipado de ministros do STF acerca da regularidade do processo (violando o princípio da inércia). Na mídia, vimos a exploração cotidiana das desavenças e fraquezas do governo, estimulando a misoginia, a intriga e o revanchismo. Mas foram os vazamentos seletivos que demonstraram a comunhão entre burocracia jurídica e imprensa a serviço da instabilidade.

Dilma e o PT erraram, e não foi pouco. Conivências escondem acertos (distribuição de renda e ter dado autonomia à PF, que alguém diria um erro). Sabemos o tipo de aliança que o PT teve de estabelecer para chegar e se manter no poder desde 2003, cumprindo a cartilha moderna sugerida pelo marketing político. Aproximou-se do centro, amenizou e abafou radicalismos internos à esquerda. Distante do Palácio do Planalto, necessitará e muito dessa ala antes contida.

Entrementes, não se enganem! A saída de Dilma e do PT da Presidência da República não altera a ordem dos fatores de como se faz a disputa. As últimas eleições foram marcadas pela sordidez, segregação, mentiras, ódio e medo, de todos os lados, o que não quer dizer que fossem os candidatos iguais e Temer uma opção. A atual interrupção abre espaço para outro (porém, velho) projeto de poder e divisão da coisa pública, capitaneado por ex-aliados e pelos derrotados nas urnas em 2014. Temer jamais seria eleito presidente da República em 2014. É preciso não subestimar o eleitor nesse aspecto. Aliás, fato é que ele chega ao poder pela lateral e inelegível, porque condenado pelo TRE-SP recentemente.

Vivenciamos uma nova comutação de interesses no poder via ruptura, e o programa de governo que venha a ser implementado não saiu vitorioso pelo voto popular direto. Sua agenda sofrerá o peso da ilegitimidade que tribunal algum convalidará.

Rafael R. Viegas e Silvia A. Arias Mongelós Viegas são mestres em Ciência Política pela UFPR.
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