O debate recente sobre os rumos da educação brasileira, provocados pelo anúncio de um contingenciamento na ordem de mais de um terço do orçamento das instituições de ensino federais (Ifes) – universidades, institutos, centros tecnológicos e colégios – e com impacto também em outros investimentos do Ministério da Educação, propicia uma excelente oportunidade para trazer à população alguns pontos importantes sobre as Ifes no contexto da educação brasileira.
O primeiro esclarecimento é a diferenciação entre os tipos de instituição que existem no país. A rede de instituições federais de ensino existe desde o período imperial, como o Colégio Pedro II, fundado no Rio de Janeiro em 1837. Conforme o país avançava na consolidação do regime republicano, foram criadas muitas instituições ligadas ao MEC; temos, principalmente, as universidades, cuja missão primordial é ofertar cursos de nível superior (graduação e pós-graduação); os Centros Federais de Educação Tecnológica (conhecidos como Cefets), cuja especialidade é a oferta de cursos superiores com foco nas diversas engenharias e outras tecnologias; os colégios, vinculados ou não a uma universidade, que trabalham na educação profissional, majoritariamente de nível médio, ou ofertam cursos comuns por serem espaços de formação de professores das licenciaturas. Há, ainda, os institutos federais (IF), criados em 2008, com a missão de trabalhar desde a educação básica, com o ensino médio integrado a um curso técnico, até a pós-graduação (mestrado e doutorado).
A concepção de que educação é gasto e não investimento intersetorial é um dos grandes desafios a serem enfrentados na atualidade
As Ifes estão presentes em todos os estados brasileiros, nos quais há, no mínimo, uma universidade e um IF. As universidades, tradicionalmente, foram criadas nas capitais e, a partir de 2003, expandiram seu raio de ação em direção ao interior, geralmente em cidades de médio porte. Os IFs, embora tivessem aproveitado a estrutura que já havia dos Cefets ou das escolas técnicas, promoveram uma interiorização das ações do MEC para municípios de pequeno porte, como em Barracão (PR), cidade de pouco mais de 10 mil habitantes localizada na fronteira com a Argentina.
A presença de um órgão do governo federal em locais como esse representa não somente a oferta de educação de qualidade, de pesquisa e extensão, mas também de mais uma ação do Estado na cadeia produtiva da cidade e região. Devido à autonomia administrativa das universidades e IFs, uma parte significativa do orçamento é utilizada para movimentação econômica, incluindo contratação de pessoal (ou seja, geração de emprego e renda), consumo de produtos (como compras de equipamentos, livros, insumos) e contratação de serviços (assistência técnica, construção civil). E, claro, esse investimento estatal transforma a localidade onde está inserida, pois, direta ou indiretamente, gera a aquisição ou locação de imóveis, aumento de consumo no comércio local (pela presença de estudantes e funcionários), amplia a oferta na área de entretenimento e lazer (abertura de novos bares, restaurantes, promoção de eventos), entre outros. Ademais, o câmpus federal estende seus benefícios a três a quatro cidades em seu entorno. A concepção de que educação é gasto e não investimento intersetorial é um dos grandes desafios a serem enfrentados na atualidade e o posicionamento público do atual governo sobre cortes exemplifica isso.
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Os Institutos Federais, que também formam a rede de formação básica pública, são destaque nacional e internacional em produção científica, desenvolvimento de tecnologias sociais e start-ups, ações extensionistas e desempenho invejável nos vestibulares e no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Os IFs, por meio de seus programas de bolsas, assistência estudantil (auxílio-transporte, alimentação, moradia, saúde) e reserva de vagas para famílias socioeconomicamente vulnerabilizadas, conseguem efetivar o direito à educação com condições equitativas para quem dele mais precisa. O impacto desse tipo de educação na vida de estudantes vai muito além: por meio de uma estrutura educacional que deveria ser direito de todos e não retirada dos que agora usufruem, promove ainda a formação de pessoas capazes de transformar suas realidades e de suas comunidades.
O direito à educação e o investimento financeiro progressivo e cada vez mais equitativo não é uma questão de disputa ideológica. É a defesa de uma área estratégica para o crescimento social, cultural e econômico de um país, cujos resultados podem ser sentidos no curto, médio e longo prazo. Não há tempo para retrocessos, apenas para seguirmos adiante aprimorando as metas, sistemas de financiamento e planejamento (como o Plano Nacional da Educação) já existentes.
David José de Andrade Silva é professor de Língua Inglesa e Língua Portuguesa e atua na coordenação de pesquisa e pxtensão do câmpus Jacarezinho do IFPR.
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