A constituição da Pátria Grande é ainda um conceito estranho para o horizonte limitado da política brasileira. A negativa ao processo de integração latino-americana possui dois obstáculos estruturais. O primeiro é a renúncia da classe dominante brasileira em criar o seu Lebensraum (espaço vital), pois já sabemos que as economias nacionais somente podem alcançar níveis superiores de desenvolvimento quando articuladas num projeto regional. Não por acaso os Estados Unidos lançaram o Nafta e ainda tentam viabilizar a Alca, instrumentos indispensáveis para manter sua hegemonia na América Latina. O segundo obstáculo à integração latino-americana é a impotência estrutural do empresariado brasileiro em disputar nas áreas estratégicas da economia capitalista moderna: busca de domínio sobre a ciência e a tecnologia e o controle sobre o excedente econômico, impedindo-o de fluir para os países centrais sob múltiplas formas (remessas de lucros, pagamentos e juros, royalties etc.).
A modalidade da integração deve mudar radicalmente em favor de mecanismos que controlem a riqueza aqui produzida
Assim, podemos compreender as razões pelas quais a tentativa de integração econômica em curso – especialmente o Mercosul – torna-se não somente insuficiente, mas também um paraíso para as multinacionais. Os dados demonstram que, entre os 15 principais exportadores “brasileiros” para a Argentina, nada menos que 13 são multinacionais. Tal fato não demonstra que o Mercosul – e sua inexorável ampliação, com a inclusão de Venezuela e Bolívia – é desnecessário. Ao contrário: revela que a ampliação do Mercosul é necessária e, na forma como ocorre, é insuficiente.
A modalidade da integração deve mudar radicalmente em favor de mecanismos que controlem a riqueza aqui produzida. Portanto, é necessário articular a integração entre os países com a reorientação da política econômica vigente desde 1994, ano em que o Plano Real entrou em vigor. Ora, o Plano Real é a estratégia mais avançada de desnacionalização do sistema produtivo brasileiro com apoio de massa eleitoral. A crise terminal em que entrou – com o “ajuste” de Levy – constitui oportunidade histórica para superá-lo em favor de outra estratégia econômica. A crise, neste contexto, é de fato excelente oportunidade para romper o consenso que dominou a política nacional durante os governos dos presidentes FHC, Lula e Dilma.
Os liberais – de esquerda e direita – seguirão insistindo na linha conhecida segundo a qual o Brasil não pode ser senão economia complementar aos Estados Unidos, exportando matérias primas e produtos agrícolas. A crise está demonstrando agora o quanto este caminho foi equivocado e o quanto necessitamos dos países vizinhos para constituir estratégia comum de superação do subdesenvolvimento e da dependência. É preciso reconhecer que mesmo aqueles que defendem o Mercosul ampliado – e, portanto, com Venezuela e Bolívia –, como se nossos vizinhos fossem meros mercados para os produtos produzidos pelas multinacionais em nosso território, fracassaram. Da mesma forma, supor que a ampliação do Mercosul é equivalente de ampliação de mercados para produtos brasileiros (frangos e/ou têxteis) tampouco é sustentável se os países vizinhos não estão também eles superando as limitações estruturais que sofremos aqui.
Enfim, ou a Pátria Grande se afirma como arma contra nosso raquitismo científico e tecnológico comum e meio potente de nacionalismo econômico e consequente controle do excedente, ou desaparecerá como todas as tentativas anteriores de simular integração diante da expansão imperialista dos Estados Unidos, primeiro beneficiário de nossa insularidade.