Numa escala quase que caricata, o Brasil também teve seu comandante Francesco Schetttino, na figura de Jânio Quadros, que renunciou à Presidência da República sem consultar ninguém

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Duas coisas assustam nesse inacreditável episódio do navio Costa Concordia: a contradição entre o verdadeiro arsenal de tecnologias altamente sofisticadas, de ultimíssima geração para comunicação, localização, integração de bancos de dados a respeito da geografia, da topografia, do clima, etc.; e a incapacidade humana de utilizar esse arsenal de maneira minimamente inteligente para evitar um desastre grotesco como foi o naufrágio do navio. Está sobrando inteligência artificial, mas também está sobrando estupidez natural, burrice congênita, para utilizá-la.

A segunda é a inacreditável imprudência de permitir que apenas uma pessoa tome decisões críticas. Onde estava toda aquela bronzeada tripulação, impecável nos seus uniformes brancos, todos com altas qualificações técnicas a exsudar autoconfiança e conhecimento do que está fazendo? Será que ninguém viu a monumental burrada que estava sendo cometida pelo comandante e, pior ainda, ninguém tenha sido capaz de evitar que ela se transformasse em tragédia?

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Não se trata de um ato de imprudência isolada, e sim de um tipo de imprudência organizacional, que está cada vez mais disseminada no mundo turbocapitalista em que vivemos. Nick Leeson, um operador de bolsa de valores de pouco mais de 30 anos, quebrou o Banco Barings, o mais tradicional da Inglaterra com quase quatro séculos de existência, porque o deixaram livre, sem controles, empowered para fazer grandes burradas, o que efetivamente fez. A Merril Lynch, uma das maiores instituições financeiras norte-americanas, não foi quebrada por decisões tomadas basicamente por uma ou pouquíssimas pessoas? Shakespeare diria como na Duodécima Noite: "a estupidez é como o sol; gira em órbita e brilha em todos os lugares!".

Uma possível explicação para essas incongruências está em um livro imperdível que Silvia e Marcelo Pasquini me mandaram dos Estados Unidos onde moram, como presente no Natal: That Used to Be Us em que Thomas Friedman (O Mundo é Plano, O Lexus e a Oliveira e mais uma dezena de livros seminais) e Michael Mandelbaum analisam "como a América ficou para trás no mundo que inventou e como pode se recuperar", que é o subtítulo do livro. Os dois autores exploram a crescente incongruência entre os tipos de competências exigidas em um mundo integrado geográfica, tecnológica e economicamente e as maneiras pelas quais a maioria dos países e sistemas educacionais preparam seus recursos humanos para produzir, inovar e sobreviver nele.

Enquanto o conhecimento a respeito das pessoas, dos mercados, dos processos e produtos tem de ser desenvolvido em todos os níveis, desde a presidência de uma empresa até o operário de produção de maneira integrada e dinâmica, os sistemas tradicionais de ensino insistem em preparar diferentemente as elites e a população mais simples. Os primeiros são preparados para "pensar" e a segunda para simplesmente "agir", e a obedecer a sistemas crescentemente impessoais de produção. Uma pequena minoria recebe uma educação de qualidade, enquanto que a esmagadora maioria é condenada à mediocridade do ensino massificado, pouco criativo e pouco inspirador. O mundo do trabalho produtivo não se divide mais entre os funcionários de colarinho branco ou de macacão. O mundo em que vivemos integra o trabalho dos que criam, dos que apoiam a criação, os que viabilizam a produção e os que acompanham os resultados sem levar em consideração níveis hierárquicos ou diferenciais acadêmicos.

Numa escala quase que caricata, o Brasil também teve seu comandante Francesco Schetttino, na figura de Jânio Quadros, que renunciou à Presidência da República sem consultar ninguém, deixando o país perplexo. E abandonou o barco sem mais nem menos, provocando uma crise política que, até hoje, meio século depois, ainda não foi totalmente resolvida.

Lembro-me da frase de um dos seus ministros: "Faltou alguém para trancar Jânio em um banheiro até ele curtir a ressaca!". Que teria sido uma versão tropical da ordem dada aos berros pelo oficial da Capitania dos Portos de Livorno ao comandante do Concórdia: "Vada a bordo, cazzo!", que em tradução minimamente publicável corresponde ao brado: "Volte para o navio, c...lho!"

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Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do doutorado em Administração da PUCPR.