A revolução da inteligência artificial (IA) está em pleno curso: ChatGPT, plataformas de aprendizagem adaptativa, algoritmos de recomendação, assistentes virtuais. Nunca houve tantas ferramentas tecnológicas à disposição dos estudantes. No entanto, diante dessa nova realidade, surge uma questão central: estamos preparando os estudantes para utilizarem a inteligência artificial ou a educação escolar está permitindo que os jovens sejam dominados pela IA?
Muitos acreditam que, na era da IA, o grande desafio da educação seja ensinar aos alunos a utilizarem novas tecnologias; porém, isso é um equívoco. O verdadeiro desafio não é apenas ensinar-lhes a usar a inteligência artificial, mas, sim, desenvolver uma forma de inteligência humana suficientemente robusta, que interaja com a inteligência artificial de maneira autônoma, crítica e criativa.
O avanço da IA é inevitável, mas o destino da humanidade não será decidido pelos avanços tecnológicos e, sim, pela força da inteligência humana. Se quisermos garantir que as novas gerações sejam donas do seu futuro, precisamos investir na imaginação, na criatividade, no pensamento crítico e no repertório
O maior perigo não está na inteligência artificial em si, mas no empobrecimento da capacidade humana de imaginar, pensar criticamente e criar. Por isso, quatro elementos passam a ser indispensáveis na formação e educação da inteligência humana capaz de dialogar com a IA sem ser subjugada por ela: imaginação, pensamento crítico, criatividade e repertório. Para que as novas geraçõesnão sejam apenas usuárias de tecnologia, mas que suas mentes pensem criticamente, sejam criativas e autônomas, esses quatro pilares precisam ser desenvolvidos pela escola, pelos professores e pelas famílias.
Neste mundo saturado de tecnologia, esta sentença nunca foi tão verdadeira: “A imaginação é mais importante que o conhecimento” (EINSTEIN, 1929). A imaginação é o berço da inovação. Tudo o que a humanidade já criou ─ da roda à internet, da literatura à inteligência artificial ─ nasceu primeiro na mente de alguém que ousou imaginar; porém, por mais avançada que seja a inteligência artificial, ela não pode criar algo verdadeiramente novo, pois opera dentro dos padrões que já conhece por ter sido treinada para reproduzi-los. Até agora, a única inteligência capaz de conceber o inédito é a humana. No entanto, a imaginação vem sendo enfraquecida cada vez mais, e, quanto mais passivas as crianças forem em relação ao consumo das tecnologias, menos elas desenvolverão a sua capacidade imaginativa. O envolvimento excessivo com desenhos animados, séries, jogos eletrônicos e redes sociais pode impedir que a mente infantil crie as suas próprias imagens, histórias e os seus personagens, pois a mente se acostuma a consumir narrativas prontas, sem esforço criativo.
Nesse contexto, a escola tem um papel crucial na educação para o uso da IA. Se queremos uma geração capaz de liderar, desafiar o óbvio e inovar, precisamos estimular a sua imaginação desde cedo. E há uma ferramenta muito poderosa para isso: o livro. A leitura permite que a criança crie os cenários e as personagens da história mentalmente, atribuindo-lhes cores e sons. Diferentemente de em um desenho animado, onde tudo já é entregue pronto, o livro exige a construção imaginativa.
Famílias e professores precisam garantir que cada uma das crianças tenha tempo e espaço para desenvolver a imaginação por meio de atividades essenciais, como contação de histórias, brincadeiras simbólicas e leituras interativas, pois uma mente imaginativa não consome o futuro simplesmente, mas o cria. Se a imaginação é a semente da inovação, a criatividade é a sua realização prática. Ken Robinson, em seu célebre livro O Elemento, argumenta que, muitas vezes, o sistema educacional tradicional mata a criatividade ao padronizar o ensino e desencorajar o pensamento divergente.
Na era da IA, isso é ainda mais problemático, pois a inteligência artificial pode reproduzir padrões e tendências, mas não pode quebrá-los. Só a criatividade humana tem esse poder. Entretanto, a criatividade também sofre quando a criança é apenas um receptáculo de informações e não um agente ativo no processo de aprendizagem. Se a escola limita os estudantes às respostas prontas, aos exercícios mecânicos e à reprodução de conteúdos, ela forma repetidores, não inovadores.
Os professores precisam transformar a sala de aula em um espaço de experimentação criativa, onde jogos, desafios, atividades abertas e projetos interdisciplinares são ferramentas poderosas para estimular o pensamento inovador. A criatividade se desenvolve quando há liberdade para errar, para testar ideias e para reformular conceitos. Sem criatividade, as novas gerações não passarão de operadoras de tecnologia; com criatividade, serão arquitetos do novo.
A inteligência artificial pode fornecer respostas coerentes, mas ela não pensa, não duvida nem contesta; apenas processa dados baseados em estatísticas. E como vivemos na era das fake news, dos algoritmos de recomendação e das bolhas de informação, na qual manipular opiniões e direcionar comportamentos nunca foi tão fácil, se os estudantes não desenvolverem o pensamento crítico e analítico, serão apenas espectadores passivos desse mundo.
Cabe aos professores ensinarem os estudantes a desconfiarem do óbvio, verificarem fontes, cruzarem informações e interpretarem números. Como defende o filósofo Edgar Morin, o ensino precisa formar “cabeças bem-feitas”, não apenas “cabeças cheias”, ou seja, mais do que acumular informações, é preciso saber analisá-las, compará-las e questioná-las. A escola não pode ser um território de doutrinação; precisa ser um espaço de pensamento, no qual estudos de caso, análises comparativas, debates e discussões filosóficas devem ser constantes na sala de aula. Só assim formarão cidadãos livres e críticos, capazes de usar a IA sem serem usados por ela.
Se há um fator que torna o ser humano superior à inteligência artificial, esse é o seu repertório linguístico e sociocultural. Um indivíduo cujo vocabulário é pobre, sem conhecimento histórico, sem referências artísticas e sem base filosófica é presa fácil para qualquer narrativa rasa e tecnologia manipuladora. A IA pode processar bilhões de palavras, mas não compreende os seus significados profundamente; ela não sabe o que é ironia, sarcasmo ou contexto cultural, mas somente quem tem repertório consegue captar as nuances da comunicação, conectar ideias distantes e compreender simbolismos.
A escola precisa garantir que os alunos tenham acesso a uma educação culturalmente rica, diversificada e ampla. É ler grandes autores, conhecer diferentes formas de arte, compreender a história do mundo e dominar a linguagem em profundidade que forma um ser humano mais preparado para lidar com qualquer tecnologia. Quem tem esse repertório, que foi educado para usá-lo, conversa com a IA e a supera; quem não o tem, será controlado por ela.
O avanço da IA é inevitável, mas o destino da humanidade não será decidido pelos avanços tecnológicos e, sim, pela força da inteligência humana. Se quisermos garantir que as novas gerações sejam donas do seu futuro, precisamos investir na imaginação, na criatividade, no pensamento crítico e no repertório. O verdadeiro desafio da educação não é, portanto, ensinar a usar o ChatGPT ou outras ferramentas de IA; é ensinar o aluno a pensar para além deles.
Renato Casagrande, pesquisador, palestrante e escritor, é presidente do Instituto Casagrande, referência em práticas educativas inovadoras e no desenvolvimento de instituições de educação básica e superior.
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