O pleito social por uma ampla reforma política revela a inquestionável falência do atual modelo de representação democrática que, diante de tantas mazelas, busca desordenadamente coibir a interferência do verdadeiro titular do poder: o cidadão! Um dos principais instrumentos institucionais capazes de potencializar o controle popular e a fiscalização dos atos legislativos inconstitucionais é a atuação jurisdicional.
Sob este enfoque é que deve ser analisada a decisão do ministro Marco Aurélio que, recentemente, concedeu medida liminar em mandado de segurança, ordenando o prosseguimento de uma denúncia oferecida contra Michel Temer na qual se postula abertura de processo de impeachment do vice-presidente.
Um poder deve controlar o outro, fiscalizar o outro, sendo o STF o guardião da Constituição
Não se trata – como deixou claro Marco Aurélio em sua decisão – de um juízo de valor sobre a conduta do vice-presidente da República. O ministro determinou que a denúncia fosse processada, apenas isso! Disse ele que “a controvérsia envolve controle procedimental de atividade atípica do Poder Legislativo”, pois, em virtude do “atendimento das formalidades legais, cumpria dar seguimento à denúncia”. O STF não se substituiu à Câmara dos Deputados, que por meio de comissão especial deve emitir parecer, aprová-lo, submetê-lo a votação do plenário e, se autorizado o processo de impeachment por dois terços, levar o vice-presidente a julgamento pelo Senado. Não é correto arquivar a denúncia sem o devido processamento, principalmente quando o fundamento da denúncia é o mesmo que gerou o processo de impedimento contra a presidente Dilma Rousseff: os decretos das “pedaladas fiscais”.
Deve-se ter cuidado com o discurso de que o “ativismo judicial” é prejudicial ao regime democrático e implica em indevida ofensa ao princípio da separação de poderes. Não se nega que a separação de funções é pilar de um Estado Democrático de Direito e que cada poder possui as suas atribuições definidas pela Constituição. Por outro lado, um poder deve controlar o outro, fiscalizar o outro, sendo o STF o guardião da Constituição.
É bem verdade que outro ministro do STF, Celso de Mello, em espaço de tempo inferior a uma semana, decidiu, em caso semelhante, de forma contrária, entendendo que o Judiciário não pode interferir em questões interna corporis do Legislativo. Equivocada a decisão de Celso de Mello, no meu entender. O direito à formulação de denúncia, por qualquer cidadão, se insere em questão de âmbito constitucional (exercício da cidadania), cabendo ao Judiciário – e, assim, ao STF – tal controle, assegurando eficácia a um direito popular: o direito de denunciar e pedir responsabilização.
Por outro lado, não poderá o Judiciário alterar o mérito da decisão do Senado quanto à perda do cargo. Isso, sim, é uma matéria inerente ao Legislativo – como, aliás, já decidiu o próprio STF no histórico Mandado de Segurança 21.689-1, impetrado pelo ex-presidente Fernando Collor após sofrer processo de impedimento. Naquela ocasião, o STF afirmou que o processo de impeachment não é inteiramente político, mas que a jurisdição a respeito da matéria competia ao Senado, a quem a própria Constituição outorgou a prerrogativa de julgar o presidente por crime de responsabilidade. Ou seja, a Constituição deu a palavra final ao Legislativo quanto ao mérito do julgamento do impeachment. Diferentes, entretanto, são as questões formais e procedimentais, as quais podem ser revistas pelo Judiciário. Tanto é assim que o rito do impeachment foi fixado pelo STF.
Nessa medida, concordo com o professor e amigo Dalton Borba: o chamado ativismo judicial, ponderado, criterioso e cauteloso, perfaz-se inquestionavelmente necessário à manutenção da ordem, à proteção dos interesses do cidadão e à realização plena dos direitos fundamentais. Não apenas, aliás, aqueles descritos no artigo 5.º da Constituição, mas, notadamente, os direitos relativos à legítima representação política, ao controle e fiscalização dos atos praticados na esteira do exercício do mandato eletivo e aos direitos do administrado.