Dia da Mentira (ou dos Tolos), além das gozações este 1.º de abril tem um lado penoso – é o início formal da temporada do vazio. Estamos na véspera do vácuo, beira da cavidade. No buraco – negro ou cinza, de qualquer forma algo parecido com uma cova. O intervalo dos próximos nove meses prenuncia-se como enorme vão, espaço aberto onde se exibirão sozinhas nossas vanidades (ou vaidades). E também nossas mazelas.

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Hora do transitório e do provisório, tempo dos interinos, insignificâncias. Reino do efêmero e dos arranjos. As noções de "deixa pra lá", "esquece!", "embrulha e manda" vão dominar o repertório das ações e reações.

Nosso espírito cartorial criou a figura da desincompatibilização, outro dos artifícios em que os candidatos que disputam o próximo pleito fingem que não se aproveitarão da máquina e dos recursos oficiais. O mensalão e o valerioduto, devidamente dicionarizados no relatório da CPMI dos Correios, desvendam nosso infinito engenho para contornar as leis e a decência.

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A ultrapassada legislação eleitoral combinada à apressada emenda da reeleição criou um emaranhado de postulados que torna ainda mais confuso o funcionamento das instituições políticas. Acrescentem-se as coligações entre partidos ideologicamente opostos bem como a virulência da nossa mosca azul e temos os principais ingredientes da interinidade que vai dominar este resto de 2006.

O presidente Lula confessou a um auxiliar que vai sentir-se muito só: perdeu oito ministros atraídos pelas oportunidades parlamentares e está condenado a despachar com gente que sequer conhece. Perdeu sobretudo o seu ministro-vedete e junto foi-se o coordenador da campanha da reeleição. Além disso não ficou muito confortável no relatório preparado pelo deputado Osmar Serraglio e, como se não bastasse, o novo ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, há pouco tempo proclamava a necessidade de refundar o PT depois da série de estarrecedoras revelações iniciada em maio.

Na oposição, o quadro político não é mais animador, embora eleitoralmente promissor. O PSDB, teoricamente social-democrata, vai entregar suas duas jóias da coroa – a cidade e o estado de S. Paulo – a um partido que no final do último mandato do presidente FHC era seu ferrenho e traiçoeiro adversário. Cláudio Lembo, o substituto do governador Geraldo Alckmin, é um liberal stricto sensu, político maduro, respeitado e responsável. Já o substituto de José Serra, Gilberto Kassab, é uma incógnita sob todos os pontos de vista.

Mas o que é o PFL, tão beneficiado pelos fados, se não uma federação de coronéis sazonados apenas pelo convívio com os privilégios do poder? Além do prefeito César Maia (que sempre almejou entrar no PSDB e sempre foi barrado) e a capitania hereditária instalada na Bahia, quais as suas reais qualificações administrativas e políticas ?

O prefeito José Serra, que há duas semanas era moralmente o vitorioso na disputa com o governador Alckmin, agora terá que engolir alguns sapos porque vai descumprir a promessa de completar o mandato. Não é a primeira vez que isso acontece: Jânio Quadros, eleito em 1953, no ano seguinte deixou a prefeitura para conquistar o governo do estado com a aprovação entusiástica dos seus eleitores e com isso pavimentou o caminho para a Presidência.

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O precedente janista seria mais palatável se a próxima disputa presidencial conseguisse aparentar opções verdadeiramente empolgantes. Lula e Alckmin são as candidaturas possíveis, o país mais uma vez abre mão da sua fabulosa riqueza humana para contentar-se com o que existe de disponível nas prateleiras do mercado político. Não chega a ser trágico, a situação argentina é ainda pior.

Este 1.º de abril pode trazer surpresas, não necessariamente engraçadas. As nulidades interinas que desfilarão nos próximos meses podem produzir algo benéfico. No mínimo aumentarão nossos níveis de exigência.