Os períodos de disputas eleitorais tendem, naturalmente, a acirrar os ânimos e polarizar as opiniões populares. Não foi diferente nas últimas eleições presidenciais, em que as fronteiras ideológicas foram marcadas pela vitória de um ex-presidente em disputa acirrada pelo cargo mais alto da República. Vimos despertar o inconformismo por parte dos apoiadores do segundo colocado, que iniciaram uma onda de manifestações objetivando questionar a higidez das apurações.
O debate acerca dos limites da liberdade de expressão voltou, uma vez mais, a ser objeto de destaque, haja vista que as manifestações públicas de cunho político e ideológico são garantidas constitucionalmente no Art. 5º, inciso IX da Constituição Federal, sendo assegurado a livre manifestação das opiniões.
Todavia, há de se ponderar que nenhum direito é absoluto, encontrando seus limites na própria interpretação sistemática do contexto jurídico-normativo, ao passo que o exercício dos direitos não é totalmente desimpedido, de forma que, por exemplo, o direito de locomoção encontra impeditivo na inviolabilidade de domicílio e a liberdade de expressão se depara com as muralhas do Direito Penal.
Nesta linha, utilizar-se das garantias constitucionais atinentes à livre manifestação do pensamento para proferir dizeres ofensivos a terceiros pode tipificar o crime de injúria, previsto no Art. 140 do Código Penal, bem como requisitar a intervenção militar pode vir a constituir um grave crime contra o Estado Democrático de Direito, o que deve ser objeto de reflexão no atual contexto.
Há quem defenda que pedir a intervenção militar com a volta do regime ditatorial seria um grave crime contra o Estado Democrático de Direito, previsto na Lei de Segurança Nacional (Lei nº 14.197/21), em especial em seu Art. 359-L. Contudo, a criminalização da conduta do sujeito que vai às ruas para clamar pela atuação das Forças Armadas com o objetivo de não permitir a posse do presidente da República eleito não nos parece encontrar respaldo na Lei de Segurança Nacional.
Isso porque o dispositivo legal em referência faz menção à tentativa de abolir violentamente o Estado Democrático de Direito, de forma que tal conduta só pode ser imputada ao agente que a pratica a atitude violenta por mão própria ou, possuindo poder para tal, ordena que outros a façam – como seria o caso do general ou presidente da República que designa tropas para fechar o Congresso Nacional.
Logo, aquele que suplica pela atuação das Forças Armadas em um contexto antidemocrático praticaria tão somente, em tese, a conduta do Art. 286 do Código Penal, visto que incita, publicamente, a prática do crime previsto na Lei de Segurança Nacional.
Ainda assim, nunca é demais lembrar que a história narra sobre o período em que os militares estiveram no poder, onde práticas violentas para manutenção do status quo de controle social e repressão às oposições políticas, caracterizando-se por ser um regime marcado pela abolição violenta da democracia – o que não é nem um pouco desejável.
Leonardo Tajaribe Jr. é advogado criminalista, especialista em Direito Penal Econômico (COIMBRA/IBCCRIM), pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal (UCAM). É membro da Comissão de Políticas Criminais e Penitenciárias e delegado de Prerrogativas da OAB-RJ.
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