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Recentemente, o presidente da Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA) declarou, em entrevista, que “quer odiar a religião, pois ela merece”. Lamentável. A justificativa é simples: Os religiosos seriam cheios de preconceitos. Cuidado com a religião! Esse é o refrão de grande parte da sociedade “iluminada e secular”. Faz sentido essa discriminação? O preconceito que vê “a religião” como artigo de perfumaria não tem mais lugar. Fé não é “esquisitice” de alguns, não se trata de um gosto pessoal tolerável por amor à liberdade. Senti isso de perto nos anos de universidade. Na sociedade secular, humanista, de pressuposto oposto ao da fé, particularmente do cristianismo, a religião é cuidadosamente vigiada. Os jornais e veículos de comunicação a ignoram. Não há coluna sobre religião. Não há espaço para religiosos, exceto se houver razões políticas. Todo tipo de ideologia merece espaço na educação formal, mas falar de religião é proibido: não pode!

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Nos Estados Unidos, até dizer “Feliz Natal!” já se tornou um problema. A União Europeia tentou extirpar Deus da sua Constituição. Jogadores de futebol que expressam sua fé em campo precisam ser repreendidos. Não há curso sobre religião nas universidades públicas, nem numa prestigiada USP. Mesmo que mais de 90% do povo brasileiro se afirme religioso, nada muda. Até os cursos de Teologia enfrentam uma grande batalha para serem reconhecidos.

Tentativas recentes de reprimir a fé se multiplicam no mundo. A mais recente ocorreu na Bolívia, em plena América do Sul. Lamentável e triste. Por que isso acontece? De onde vem essa marginalização?

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A religiosidade humana tem sido considerada neurose ou fruto da ignorância

A origem de tudo é histórico-dogmática. De acordo com os dogmas do século 19, a religião deve ser vista como fenômeno irracional, uma espécie de etapa evolutiva inferior. Os positivistas, por exemplo, a viam como o primeiro de três estágios da história humana. A etapa científica era o culminar de um processo que havia passado pelas fases religiosa e filosófica. A verdade, porém, é que a fé religiosa é experiência tão autêntica quanto a estética. Nunca foi encontrado um só povo em toda a história humana que não tenha desenvolvido algum tipo de fé. Apesar disso, a religiosidade humana tem sido considerada neurose ou fruto da ignorância. Os preconceituosos antirreligiosos do século 19, como os positivistas, ficariam perplexos diante do declínio do racionalismo e do ateísmo estéril e do crescimento do misticismo religioso nas sociedades industrializadas de hoje.

As principais interpretações hostis à religião, especialmente ao cristianismo, podem ser resumidas. Ludwig Feuerbach, herdando o agnosticismo metafísico de Immanuel Kant e o ceticismo de David Hume, entendeu o fenômeno religioso como essencialmente psicológico. Feuerbach afirmava que Deus fora inventado pelo homem. Deus seria uma espécie de projeção psicológica de todas as qualidades mais excelentes do ser humano. A consciência de Deus é autoconsciência. Não foi Deus quem criou o homem, mas foi o homem que criou a divindade. Já Sigmund Freud, pai da psicanálise, escreveu uma obra chamada O Futuro de Uma Ilusão em que ele esboça suas críticas à religião. Para Freud, a religião era uma neurose desenvolvida pela sublimação dos instintos; Deus não passa da projeção da figura do pai. O religioso é uma espécie de “doente da alma”. Outro crítico feroz da religião foi Karl Marx. Rejeitando o judaísmo e, posteriormente, o cristianismo, o ateu Marx definiu a religião como o “ópio do povo”. Para ele, o fenômeno religioso era apenas uma arma dos opressores, útil para a manipular as classes dominadas. No caso de Friedrich Nietzsche, filho de pastor, a ideia era oposta: ele via a religião como uma defesa dos fracos contra os fortes. O ódio de Nietzsche pelo cristianismo se expressava na crítica de que a fé cristã elogia o pobre, o humilde, o necessitado e destina o rico e poderoso à condenação; a religião era, portanto, uma arma ideológica dos miseráveis e inferiores contra os aristocratas e superiores.

Mesmo que o cenário contemporâneo de estudo da religião tenha se libertado dos preconceitos do século 19, a realidade prática ainda não mudou. Vale mencionar a abordagem do filósofo e pastor Sören Kierkegaard, que ajudou a tirar a religião da marginalização cultural. Ele entendia que a religião não se limitava à lógica. Kierkegaard definia o estágio superior da experiência humana como o estágio religioso. Só se chega a ele por meio da intuição e da fé. O homem crê em Deus não pela razão, mas apesar dela. Defendia uma fé subjetiva e apaixonada. A verdade religiosa era de natureza distinta das verdades objetivas da ciência. Todavia, era uma verdade tão sublime que o cristão ousa morrer por ela, enquanto que por uma lei da ciência, por exemplo, ninguém jamais morreria. Outro destacado estudioso do assunto foi Rudolf Otto, entendendo a categoria do sagrado como o numinoso, isto é, o inefável, indefinível, visto por Otto como não racional. A relação com o sagrado estabelece uma dualidade: a repulsa e a fascinação. A repulsa é o mysterium tremendum, que envolve o aspecto de temor e repulsa do sagrado; o fascínio, mysterium fascinans, diz respeito à bondade, à graça e a tudo que atrai no sagrado. Poderíamos ainda mencionar outros como Mircea Eliade, Paul Tillich e Friedrich Schleiermacher, que ajudaram a reconhecer o fenômeno religioso como autenticamente humano e essencialmente positivo.

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A discussão sobre esse assunto é vital, pois hoje o problema principal do mundo é religioso. Os adeptos da religião dominante do Ocidente, o humanismo ateísta, há muito trabalham para “varrer” o cristianismo. As ideias de amor, perdão, graça, repressão voluntária das paixões más, e o valor intrínseco do ser humano, vindas da religião de Jesus de Nazaré, incomodam e perturbam a sociedade pós-cristã que adora o deus-dinheiro e vê grandes perdas financeiras caso a consciência ética cristã tenha espaço e prejudique as indústrias da morte, do sexo e da alienação. Centenas de milhares de cristãos foram assassinados por sua fé no século 20, mas isso não recebe destaque na mídia! Os crimes dos grupos jihadistas são rotina! Todavia, agora as coisas se complicaram. Há uma grande guerra pela frente! Os humanistas ateus, muitas vezes ressentidos e adeptos de uma militância controvertida de “combate à fé”, estão tendo confrontos com o mundo jihadista islâmico. Acostumados a vilipendiar o cristianismo em filmes, seriados e documentários, agora estão diante de um grande impasse. Como será o conflito dessas duas grandes perspectivas apaixonadas e mal orientadas? Elas jamais concordariam com as palavras do rabino e mestre de Nazaré: “Vocês ouviram o que foi dito: ‘Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo’. Mas eu lhes digo: Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem, para que vocês venham a ser filhos de seu Pai que está nos céus. Porque ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e derrama chuva sobre justos e injustos. Se vocês amarem aqueles que os amam, que recompensa vocês receberão? Até os publicanos fazem isso!” (Mt 5, 43-46).

Está na hora de a sociedade, principalmente a classe dominante brasileira, discutir religião e tirá-la da marginalidade. Seguir cegamente as diretrizes falidas do humanismo ateu do século 19, que semeou ideologias que colecionam centenas de milhões de homicídios (contando guerras, abortos e homicídios), não nos levará a nada.

Luiz Sayão é pastor, teólogo e hebraísta da Igreja Batista Nações Unidas, em São Paulo.