A morte de um jovem em uma das escolas invadidas por membros do movimento estudantil do Paraná trouxe, de maneira estridente, para o centro do debate a abafada questão da legitimidade das invasões de prédios públicos como instrumento de luta para a consecução de objetivos como a melhoria das condições do ensino. Como ex-aluno de duas das maiores universidades públicas do país, presenciei, em diversas ocasiões, movimentos que resultaram em invasões, barricadas e até mesmo confronto com a polícia. Em todas elas, a meta apregoada pelos organizadores era a mesma: “por uma educação pública de qualidade”. Examinando de maneira retrospectiva o que vi e vivi naqueles anos, percebo um conjunto de incongruências entre o objetivo proclamado e os meios empregados. Convido o leitor de boa vontade a acompanhar-me no exame da questão.
Em 2007, quando eu cursava o primeiro ano de Filosofia, nossa classe foi informada sobre a invasão da reitoria por um grupo de alunos. Todos corremos até lá para conferir. Ao chegar, notei que alguns alunos carregavam objetos para fora do prédio e, indagando de um veterano o que significaria aquilo, recebi como resposta que era normal retirar objetos da sala do reitor durante ocupações e que em sua república havia um vaso da ocupação anterior. Qualquer simpatia que em mim pudesse nascer pelo movimento foi ali sepultada.
A única bandeira que efetivamente vi colocada em prática foi a realização de algumas festas dentro do câmpus
Poucos anos depois, vivenciei outra situação semelhante: chegando para um dia de aula, encontrei o prédio tomado por uma barricada. Convocada uma assembleia, os poucos participantes aprovaram a entrada em greve contra um conjunto de decretos do então governador José Serra, que, segundo diziam, ameaçavam a autonomia das universidades. Como pauta auxiliar, exigia-se a autorização da realização de festas no interior do câmpus. Procurei encarar a greve com um pouco mais de boa vontade e participei de algumas “discussões”, das quais logo desisti, ao perceber que não passavam de discursos monotemáticos sobre “perda de direitos” (a senha para “corte de verbas”).
Ao fim de ambas as greves, a única bandeira que efetivamente vi colocada em prática foi a realização de algumas festas dentro do câmpus tanto da Unicamp quanto da USP, cujos resultados foram desde a depredação de banheiros recém-reformados até a ocorrência de homicídios. Fatos completamente fortuitos, dirão alguns, mas que guardam íntima conexão com um verdadeiro ponto de honra de todo movimento grevista: a polícia deve permanecer longe do ambiente universitário. Curiosamente, os mesmos grevistas que dizem defender os trabalhadores pobres vetam terminantemente a entrada de policiais – eles mesmos trabalhadores pobres – nas dependências da universidade pública.
Em síntese, sempre que presenciei a invasão de um prédio público, notei a presença de um partido ou movimento organizado buscando promover demonstrações de força e intimidação, mas nenhuma proposta concreta de reforma curricular ou de estratégias para aprimorar a formação dos professores. A conclusão que elaboro é a seguinte: toda ação que efetivamente busque a melhoria da educação deve começar pela elaboração de um conjunto de propostas concretas e exequíveis, e não pela desarticulada gritaria de palavras de ordem vagas e abstratas. Aí está a regra de ouro para julgar a legitimidade de um movimento.
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