Nunca pensei que leria um documento do Pentágono que descrevesse o México como ameaça potencial à segurança dos Estados Unidos devido ao risco de se transformar em Estado falido. A avaliação, repudiada pelo governo norte-americano, pareceu-me absurda e exagerada. Contudo, o mero fato de que tal despautério fosse incluído num estudo oficial indica a que ponto mudou a situação, comparada à que conheci quando embaixador em Washington, entre 1991 e 1993.

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Foi a fase da negociação e da assinatura do Nafta, o acordo de livre comércio entre os Estados Unidos, o Canadá e o México. Este era o xodó dos norte-americanos e seu embaixador, conviva da Casa Branca, quase nunca se dignava participar do grupo latino-americano. O Chile se ralava de inveja porque desejava ser o primeiro a assinar um acordo do tipo, considerado então como o bilhete de entrada para o paraíso.

Eram os tempos do fim da União Soviética, da globalização triunfante. Rezava a verdade convencional que o mundo se dividiria em três blocos comerciais, cada um dominado por um país e uma moeda, as Américas, sob a égide do dólar e de Washington, a Europa, da Alemanha e do marco, e a Ásia, do Japão (a China era uma luzinha distante) e do iene. Quem ficasse de fora, como o Brasil, estaria condenado às trevas exteriores, onde haveria choro e ranger de dentes.

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Passados mais de 15 anos, quase nada da profecia se realizou. O México de fato atraiu investimentos americanos, multiplicou por três ou quatro suas exportações de manufaturas, mas cresceu pouco e mal, sem agregar muito valor. Hoje, a China e o Vietnã deslocam exportações mexicanas do mercado ianque porque conseguem preços que superam as vantagens tarifárias.

Enquanto isso, a teoria dos blocos não se tornou realidade, o Japão minguou, os Estados Unidos entraram numa de suas piores crises, mas a China, principal beneficiária da globalização, transformou com seu apetite voraz o mercado mundial de commodities. Países como o Peru e o Chile, exportadores de cobre e, em menor grau, Argentina e Brasil, de produtos agrícolas, passaram a desfrutar de demanda crescente com preços firmes.

Durou pouco a glória asteca, do ingresso na OCDE, o grupo das economias avançadas, da conquista do ansiado grau de investimento anos antes de nós. Quanto tempo durará a nossa? Será eterna a valorização das matérias-primas sustentada pela China? Ou não passará de uma janela, como foi a de que gozou o México no início do Nafta e que o país não soube aproveitar para aumentar o valor agregado de suas maquiladoras?

Se a valorização não for eterna, deveríamos fazer com que fosse infinita enquanto dure. Isto é, teríamos de utilizar as commodities como fez, 40 anos atrás, a Malásia com a borracha, o óleo de palma, o estanho, como sementes de investimento na diversificação e na sofisticação da sua pauta exportadora, sem abandonar as matérias-primas.

Mas será possível fazer isso com a moeda que mais se valoriza perante o dólar enquanto a China vincula o yuan à moeda americana, não cedendo um centímetro na disputa de mercados? E como faremos quando ainda por cima teremos o petróleo do pré-sal? A lição mexicana é que as oportunidades não duram para sempre e que é preciso convertê-las em vantagens duradouras. Sem a solução dessas contradições, o México de hoje será o retrato do Brasil de amanhã.

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Rubens Ricupero, diretor da Faculdade de Economia da Faap e do Instituto Fernand Braudel de São Paulo, foi secretário-geral da Unctad (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) e ministro da Fazenda (governo Itamar Franco). E-mail: rubric@uol.com.br