Assistimos hoje, ao vivo, em cores e na carne, à ofensiva do crime, cada vez mais organizado no país, colocando o cidadão, o trabalhador, a polícia, as crianças, as mulheres, as organizações, enfim, toda a sociedade literalmente, "atrás das grades", impotentes e frágeis, transformando-os em meros espectadores de sua própria desgraça.
Como um país, considerado entre os mais ricos do mundo, pode chegar a esse extremo? Por que cada vez mais nos tornamos joguetes dos interesses de minorias e nossas esperanças residem na "copa do mundo de futebol", oportuna para jogarmos, mais uma vez, nossas desgraças sob o tapete? Já fomos cinco vezes campeões e no que isso contribuiu para a melhoria da qualidade de vida do cidadão brasileiro?
Cabe aqui mais um questionamento: que sistema de valores nós brasileiros estamos vivenciando? Valores que apóiam a impunidade àqueles que burlam os recursos públicos em benefício próprio e saem ilesos, dando o exemplo para os indivíduos que possuem tendências negativas a praticarem atos de violência contra os cidadãos da sociedade. Sociedade esta que exalta a liberdade de expressão pela conquista da democracia, mas que na verdade não possui liberdade para viver com dignidade. Dignidade para ter acesso à educação que lhe permita questionar e contribuir com argumentos sólidos na construção de valores, que possam trazer oportunidades de realização profissional, familiar, social, financeira e, assim, não ser manipulado pela ignorância favorecida pelo nosso sistema.
Todos os sistemas de governo e de gestão pregam princípios básicos para oferecer dignidade aos cidadãos brasileiros: Educação, Saúde e Segurança. Vale aqui mais uma reflexão: onde estão estes princípios? Vemos fraudes na Saúde, com desvios de verbas para favorecer a uma gangue envolvida na administração pública, vemos também o governo enaltecer o número de crianças na escola. Que escola? Na educação, professores entram em greve freqüentemente, e reivindicam melhores salários, condições de trabalho, material apropriado e até método de ensino adequado às necessidades que o mundo em constante transformação está exigindo. E a Segurança? Esta está à mercê das dificuldades de investimentos em estrutura suficiente, para que os profissionais possam defender suas vidas e a vida da população, ou seja, da sociedade. Aqui a inversão de valores é ainda mais presente. A transformação da tecnologia trouxe grandes contribuições para acelerar as informações necessárias ao processo de crescimento das nações, em especial do Brasil.
Do rádio à tevê preto e branco, da tevê colorida à de plasma, acompanhamos a evolução tecnológica, a globalização da informação, os diversos acontecimentos de violência mundial, extasiados, ou anestesiados, enquanto ruem por terra ou ascendem as instituições mais importantes da sociedade brasileira. Vivemos o paradoxo da era moderna e a era das cavernas ao mesmo tempo, onde os valores (normas, princípios ou padrões sociais aceitos ou mantidos por indivíduo, classe ou sociedade Aurélio), cada vez mais esquecidos e, pior, sendo invertidos por interesse ou incompetência de nossas lideranças, colocando-se sob suspeita a ética, os bons costumes, a prática do bem.
Por que chegamos ao século XXI com todas essas mazelas? Culpa da falta de liderança de nossos dirigentes, de mandatários egoístas e inescrupulosos que permearam nossa sociedade por mais de 500 anos? Da má distribuição de renda, do sentimento camuflado de discriminação racial, social, religiosa, cultural e tecnológica, das péssimas condições do ensino público, outrora nosso orgulho, da falta de reformas do Judiciário, da administração pública, do Legislativo, da previdência e assistência social caótica e falida, dos maravilhosos discursos que não passam de falácias, mas que nos comovem e nos faz pensar que com a "copa do mundo" tudo se resolve?
No fundo cabe a nossa "mea culpa", ou seja, todos somos responsáveis e a grande realidade é que o nosso país, rico, maravilhoso, com um povo fantástico, não tem um projeto de Nação. Não sabemos onde estamos, para onde vamos, e não temos perspectiva de uma liderança que possa nos guiar.
O país parece um barco à deriva. Com o comandante aos brados, os comandados estão cegos e só ouvem o "canto das sereias" que os extasiam e os fazem esquecer dos esquecidos, que gritam por socorro.
Já elegemos democraticamente várias facções (está na moda), e nenhuma nos deu um projeto de país, uma visão, uma missão, objetivos concretos e uma estratégia de longo prazo para alcançá-los. Só nos deram esperanças (eleita por todos os políticos como a única saída), mas nós já cansamos delas.
Temos um governo ineficiente (colocado por nós), um congresso e as instituições corrompidas e as pessoas desoladas, sem uma visão de futuro, apenas tentando sobreviver no caos onde a lei do mais forte (fuzil, metralhadora, celular, mensalão, caixa 2...) é a lei do vencedor.
Vemos hoje o crime organizado com um arsenal de armas e tecnologia de comunicação de última geração, com permissão do sistema de segurança nacional, para utilizá-las nas cadeias públicas pelos comandantes do crime. Com isso, vivemos uma verdadeira guerra entre bandidos e polícia, deixando a população aterrorizada e a máquina produtiva prejudicada, uma vez que as pessoas têm medo de sair de casa e, conseqüentemente, não comparecem ao trabalho.
Só nos resta consertar tudo isso, rever nossos valores, fazer uma "reengenharia institucional" do presidente ao catador de papel, repensar nossas instituições, investir tudo que pudermos em educação de qualidade, criar uma cultura da honradez e do orgulho de ser honesto, valorizar quem trabalha, repensar como tratar de nossas crianças e de nossos idosos, eliminar definitivamente os sanguessugas corruptos que permeiam nossa sociedade, investir na segurança pública, rever os projetos de infra-estrutura e de emprego, enfim, construir finalmente um projeto de país, aquele que definitivamente queremos, e não o que nos impõem pela ideologia ou pelo poder.
Que país é esse? Este questionamento vem sendo feito há muito tempo, inclusive faz parte de um refrão musical popular. Hoje quem dá as ordens é o bandido e não as autoridades que fazem parte do sistema de segurança do país. Isto não é uma grande inversão de valores?
Nancy Malschitzky é doutora em Engenharia de Produção, coordenadora e professora da UniFAE.
Valmor Rossetto é mestre em Administração, coordenador e professor da UniFAE.
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