Aquele sabor regional da gengibirra, da framboesa e outros tipicamente locais, produzidos pelas indústrias de refrigerantes há mais de 70 anos, deverão desaparecer em pouco tempo. Desde 2012, cinco fábricas regionais de refrigerantes fecharam no Paraná. Em boa medida, isso é resultado da política fiscal adotada pelo Poder Executivo, que prejudica empresas e empregos estaduais em prol de multinacionais.
O ano de 2012 também marcou o início de um benefício tributário estadual à maior empresa de bebidas do mundo. Com dados do Ministério do Trabalho, estima-se que as fábricas regionais perderam 900 empregos diretos e indiretos desde então. Ou seja, abriu-se mão de arrecadação, com a premissa de trazer mais investimentos e empregos ao Paraná, mas o que se conseguiu foi a diminuição de receitas e a perda de postos de trabalho.
Trata-se do programa Paraná Competitivo, que nasceu com o intuito de fomentar a indústria paranaense, estimulando investimentos em renovação tecnológica, infraestrutura e logística, combatendo, assim, as desigualdades sociais e regionais. No setor de bebidas, o resultado foi exatamente o contrário: ao ampliar a concentração de mercado, com a unilateralidade de incentivo, o que se viu foi o fechamento das empresas regionais. O impacto chega ao consumidor nas gôndolas dos supermercados, onde não é mais possível encontrar as bebidas dos fabricantes paranaenses.
A Lei de Responsabilidade Fiscal prevê requisitos essenciais para a gestão de incentivos fiscais. Pela renúncia, o Paraná deixa de arrecadar para a melhoria de escolas, estradas, segurança, com a justificativa de que esses valores serão compensados com a geração de empregos e atração de investimentos.
Desde 2012, cinco fábricas regionais de refrigerantes fecharam no Paraná
Esse não é o caso do acordo celebrado entre o governo e a maior companhia de bebidas do mundo. O contrato foi, até então, guardado sob sigilo absoluto. Sigiloso também é o valor da renúncia fiscal concedida à multinacional. A única contrapartida da empresa é fabricar seus produtos, enquanto o estado do Paraná assume todas as obrigações legais. É possível questionar se esse acordo foi apenas resultado de incompetência técnica ou se é, de fato, um ato de improbidade administrativa, crime contra a administração pública.
Pressionados pela concorrência desleal e ameaçados de extinção pelas políticas de incentivo às gigantes do setor, os fabricantes de bebidas regionais recorreram ao Poder Legislativo. Com o debate, a Assembleia constatou as sérias distorções no setor, aprovando uma lei para recompor, minimamente, as perdas da indústria regional de bebidas. O Poder Executivo vetou a lei e mostrou-se fechado a qualquer possibilidade de incentivo à indústria regional. O estado alegou falta de recursos, ao mesmo tempo em que estendia, no Palácio Iguaçu, um incentivo ainda maior à multinacional já beneficiada.
A contradição é inegável. O estado argumenta a falta de previsão orçamentária mencionando que a renúncia do incentivo às fabricas regionais chegaria a R$ 12 milhões ao ano, ao mesmo tempo em que “compra”, de forma supervalorizada, um terreno da multinacional pelo valor de R$ 104 milhões.
Os deputados, compreendendo a justiça do pleito, derrubaram o veto. Mas não foi o bastante. Frente à derrota política, o estado ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o incentivo às fábricas regionais, fundamentada na ausência de convênio com o Confaz e de previsão orçamentária. Dois requisitos legais dos quais também carecem os incentivos concedidos pelo Poder Executivo à multinacional.
Nossas convicções: As empresas, sua finalidade e o bem comum
Rodrigo Constantino: Capitalismo de compadres (26 de maio de 2016)
Quanto à renúncia total e os privilégios oferecidos pelo programa, o estado não sabe, não menciona e se nega a entregar. Questionado sobre a ausência de transparência e publicização da renúncia, requisitos da Lei de Responsabilidade Fiscal, o Poder Executivo saiu em defesa não do Paraná, mas do ente privado, buscando guarita no sigilo fiscal.
Estudos do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) demonstram que o ICMS é o imposto de maior relevância para os custos de uma empresa. Com uma carga tributária extremamente desigual, o mercado de bebidas fica cada vez mais concentrado, fazendo com que as empresas regionais fechem as portas. O estado, que deveria manter a neutralidade fiscal, pendeu ferozmente a balança da justiça para um dos lados – e, neste caso, foi para a maior empresa de bebidas do mundo.
Construir um Paraná mais competitivo é uma luta nobre e deve ser um esforço conjunto. A proposta da Afrebras para o setor de bebidas é criar as mesmas condições de concorrência no mercado para todos os fabricantes, independentemente de tamanho, fortalecendo o poder de escolha dos consumidores com maior diversidade de produtos e consolidando a indústria regional no protagonismo da geração de emprego e de renda no estado. Construir esse cenário tem sido uma tarefa difícil diante da extrema falta de isonomia, agravada pelos excessivos privilégios de uma única empresa.