Mulher segura cartazes com fotos da família Bibas na Praça dos Reféns, em Tel Aviv, em manifestação nesta quinta-feira (20)| Foto: EFE/Magda Gibelli
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O dia 20 de fevereiro de 2025 entrará para a história como a fatídica data em que o Hamas devolveu a Israel em caixões sinistros, sob música alta e confetes, os corpos de Oded Lifshitz, 83 anos, e dos irmãos Kfir e Ariel Bibas, de 8 meses e 4 anos, quando sequestrados. Como se não faltassem componentes mórbidos, o grupo terrorista que tem os judeus como alvo, ainda enviou um corpo anônimo tentando fazê-lo passar por Shiri Bibas, a mãe dos meninos – o corpo da mãe só foi devolvido pelos terroristas depois.

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Diante deste quadro de horror e atônito como todos aqueles que compartilham noções fundamentais de ética e bom senso, deparei-me com uma situação paralela historicamente emblemática e igualmente assustadora. Ouvi o seguinte comentário: “É o que vocês (judeus) merecem por terem matado Jesus”. Não consigo deixar de perguntar a mim mesmo o que nós, judeus, merecemos não por termos “matado”, mas sim por termos proporcionado Jesus à humanidade. Claro, desconsiderando, assim como fez esse sábio “juiz” do decurso histórico, o lapso temporal de um pouco mais de 2.000 anos e admitindo a discussão “a valor presente”.

Enxergar o óbvio é privilégio de poucos, mas chegou a hora da civilização ocidental fazer a sua escolha no que diz respeito ao papel da nação de Israel e suas contribuições para a humanidade

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Ora, vamos às evidências, sem dogmas. Jesus era judeu. Ele pregava em sinagogas. Trafegava com intimidade entre sacerdotes. Os apóstolos, seu grupo de ativistas, eram todos judeus. O povo de Israel era seu foco absolutamente prioritário no efervescente ambiente político e religioso da Judeia na época do Império Romano, constituído por seitas não alinhadas como saduceus, essênios, zelotes e fariseus.

“Ama ao próximo como a ti mesmo” está na Torá, mais precisamente em Levítico 19:18, o que não apenas o antecede, mas demonstra sua intimidade com a tradição rabínica. Portanto, a história comprova: Jesus nasceu judeu, viveu como judeu, morreu e foi sepultado como judeu. Quanto a seus iguais o terem matado, bem, à luz da racionalidade, teria sido muito difícil para a minoria oprimida ter manipulado a potência estrangeira de ocupação a fim de buscar caprichos e benefícios parciais. E, além disso, a pena de morte praticada pelos tribunais rabínicos teria sido o apedrejamento e não a crucificação, que era um castigo tipicamente romano.

Não ter reconhecido a divindade de Jesus não constitui um ataque pessoal contra ele, mas, simplesmente, a visão judaica de que nada, seja homem, messias ou anjo, se confunde com Deus. Os seguidores de Jesus se mantiveram estritamente judeus após seu advento. Judaísmo e o Cristianismo conviveram sob o mesmo manto durante quatro séculos e não como polos opostos retratados nas estátuas Ecclesia e Synagoga no portal central em Notre Dame séculos depois. Apenas mais tarde, Roma, apoderando-se do legado original em sua forma religiosa, inicia 2 mil anos de perseguições aos judeus sob a acusação de deicídio.

Foi somente no século XX que a Igreja Católica começou a rever seu posicionamento sob a égide do papa João XXIII em relação aos então, agora, denominados “nossos irmãos mais velhos”, com as mudanças adotadas pelo Concílio Ecumênico Vaticano II. Essa propagação milenar, entretanto, impactou diretamente fatos históricos como milhares de pogroms, a Inquisição, a expulsão dos judeus de Portugal, Espanha e de outros países, e sem dúvida, o próprio Holocausto. E continua influenciando muito não somente radicais, mas também, os filósofos de botequim, os historiadores com PhD na Web e os populistas de Rolex.

Einstein, Salk, Freud, Spinoza, Hanna Arendt, Milton Friedman, Benjamin Disraeli, Kissinger, Kafka, Emma Goldman, Getrude Stein, Isac Abravanel (só para citar alguns) fazem parte de uma longa lista de pessoas que beberam da eclética fonte da cultura judaica, capazes, de como Jesus, impactar o mundo em favor do bem maior, da ética e da moral.

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À luz do pensamento reverso, quanto não perdeu a Europa com o extermínio de milhões de judeus? No Brasil, quantos Fonsecas, Mendes, Cardosos, Pereiras, Oliveiras, Nunes, Coelhos, Carneiros, Lobos, Henriques, Rodrigues, Pinheiros, Saraivas, Machados, Silveiras e ainda Silvas e Amorins, por exemplo, estão à margem do seu legado histórico por terem seus antepassados sido forçados à conversão?

No complexo cenário geopolítico do Oriente Médio, o mundo árabe e islâmico se negou a reconhecer o então recém-formado Estado de Israel em 1948, atacando o país simultaneamente em todas as frentes. A invasão e a contraofensiva israelense naquele episódio causaram o deslocamento em massa da população palestina. Mas é preciso recordar que uma quantidade maior de judeus foi expulsa dos países árabes e islâmicos na sequência.

Várias tentativas de estabelecer um Estado palestino foram rejeitadas terminantemente. Em 2000, Yasser Arafat recusou a proposta para formação de um Estado palestino do então primeiro-ministro de Israel, Ehud Barak, alegando que esta não incluía o controle sobre Jerusalém Oriental, tomada da Jordânia na contraofensiva de 1967.

Como toda a sociedade humana, a israelense não é perfeita. Ainda assim, sempre por meio de ações defensivas – e não expansionistas, como alegam os entendidos e especialistas de plantão, formados pela Universidade Militante do YouTube – conseguiu-se estabelecer sólidos acordos bilaterais de paz com diversas nações árabes, entre as quais Egito, Jordânia, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos, os quatro últimos por intermédio do Pacto de Abrahão, com a ajuda dos Estados Unidos. Portanto, o entrave está no componente religioso do radicalismo islâmico.

Os ataques perpetrados pelo Hamas em 7 de outubro de 2023 e o escárnio promovido mais recentemente, em 20 de fevereiro de 2025, colocam Israel em uma posição na qual é simplesmente impossível deixar de agir. Não é humana a opção de ficar com o barbarismo e o mal, em que crianças são assassinadas, mulheres estupradas, idosos atirados às masmorras de túneis e mortos por inanição, falta de medicamentos e torturas.

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E, mais do que isso, a própria população civil de Gaza utilizada e manipulada como escudos humanos, sintetiza os cenários macabros que os terroristas do Hamas promovem, assim como disseminar a visão distorcida de antissemitas que expressam leviana e desonestamente em suas opiniões sobre a culpabilidade dos judeus pelo pressuposto crime de deicídio, é algo extremamente perverso e desumano. Enxergar o óbvio é privilégio de poucos, mas chegou a hora da civilização ocidental fazer a sua escolha no que diz respeito ao papel da nação de Israel e suas contribuições para a humanidade.

Leon Knopfholz é empresário, escritor, musicista, integrante da comunidade israelita do Paraná e ex-presidente estadual da B'nai B'rith, organização internacional em defesa dos direitos humanos universais com assento na ONU e embasada em princípios judaicos.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]