Arrecadação federal bateu recorde em setembro.| Foto: Pillar Pedreira/Agência Senado
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Com vários projetos de reforma tributária tramitando no Congresso, o tema vem ganhando destaque. Mas, antes de qualquer comemoração, é preciso alinhar as expectativas: não haverá queda na carga tributária global. Engana-se quem acredita que os projetos visam a redução dos impostos. E, quando se tem instalada uma crise fiscal como a atual, não é de bom tom tocar reformas estruturais que modifiquem bases de arrecadação.

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Enquanto a Europa, grande criadora do IVA, discute o abandono dessa forma de tributação, o Brasil quer importar o modelo falido, marcado por altos níveis de sonegação.

Então, não sendo o foco a equalização de carga tributária, muito menos sua diminuição, o que traz consigo a maioria dos projetos em debate é o apelo tão necessário da simplificação. Com este objetivo, o mais recente movimento no Congresso aconteceu com a publicação do relatório da PEC 110/19 na CCJ do Senado Federal. O conceito de simplificação repete soluções já fracassadas, procurando reavivar o debate do IVA no Brasil. Propõe o relator entregar ao país um IVA Federal, gerado pela união do PIS, Cofins e IPI, e um IVA Dual, gerado pela união do ICMS e do ISS.

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Parece que simplifica, pois, em vez de cinco, teríamos apenas dois tributos. Mas não. Na verdade, o movimento em absolutamente nada simplifica o sistema tributário brasileiro. A premissa para a soma dos dois pontos é que eles passem a ter cargas tributárias similares e também a ser não cumulativos. Por não cumulativo, entende-se que o tributo recolhido na cadeira anterior deve ser recuperado na cadeira seguinte. É a famosa apuração de débitos e créditos, característica do ICMS, não do ISS.

Entretanto, não se pode esquecer um detalhe fundamental: o controle de débitos e créditos da não cumulatividade gera custo de conformidade que precisa ser levado em consideração. E o Brasil tem experiência nesse sentido. O ICMS é o tributo que causa maiores impactos de conformidade. Além disso, o PIS/Cofins também se torna não cumulativo quanto o contribuinte utiliza o Lucro Real. É notória a diferença de custos de conformidade quando se sai do sistema cumulativo – inclusive, muitos contribuintes experimentam aumento de carga tributária na mudança.

Levar os contribuintes do ISS para serem tributados pelo IVA Dual, com regras semelhantes do ICMS, é aumentar a complexidade. Ademais, considerando o controle de faixas de tributação e a pequena cadeia que envolve a prestação de serviços em si, é trazer mais um aumento de carga tributária, saltando de carga máxima de 5% para patamares superiores a 25%.

Além disso, a economia digital vem desmontando o mito da não cumulatividade a nível mundial. Enquanto a Europa, grande criadora do IVA, discute o abandono dessa forma de tributação, o Brasil quer importar o modelo falido, marcado por altos níveis de sonegação no Leste Europeu, que não consegue tributar adequadamente os serviços globais de tecnologia. Para corroborar com o que se fala, no último dia 8 de outubro os países da OCDE já trataram de apresentar pilares de um imposto corporativo mínimo global visando justamente tributar o avanço do fornecimento de mercadorias e prestação de serviços através de gigantes globais de tecnologia.

O Congresso precisa olhar para aqueles que operam, de verdade, o sistema tributário brasileiro quando falam em simplificar o sistema. Espera-se que percebam quão difícil e complexo se tornará levar o setor de serviços para uma carga tributária e sistemática de controle similar ao que se tem hoje no ICMS, com aumento de carga tributária. Transparência para assuntos técnicos é de fundamental importância.

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André Luís Macêdo é contador e advogado com especialização em Direito Tributário e Gestão Pública, ex-secretário de Tributação de Natal (RN) e assessor técnico da Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf).