A censura prévia tomou conta do Tribunal Superior Eleitoral. A Coligação Brasil Esperança, que reúne os partidos que apoiam o candidato Luiz Inácio Lula da Silva na corrida presidencial, pediu e a Corte atendeu: os canais da Jovem Pan estão proibidos de abordar as condenações do petista na Justiça. Censura descarada. Do mesmo modo, outra determinação da mesma Corte suspendeu atuação de outro órgão de imprensa, censurando um documentário produzido pela Brasil Paralelo.
É verdade que o tsunami de fake news que caracteriza esta eleição exige do Judiciário especial atenção e medidas coibidoras enfáticas, mas não é esse o caso em tela. Impedir que jornalistas tratem de temas específicos nada tem a ver com atuar contra a proliferação de notícias forjadas, é, isto sim, atentar contra a liberdade de imprensa, é golpear a Constituição Federal, é comprometer a democracia.
O momento é oportuno para que se retome o debate sobre liberdade de imprensa e as leis brasileiras.
Sêneca, ao tratar sobre a brevidade da vida, apontava que nenhum homem sábio deixará de se espantar com a cegueira do espírito humano. Há quem enxergue a tradicional emissora paulista como veículo propulsor do “bolsonarismo”. Suponhamos que seja verdade. Não há lei que impeça um veículo de comunicação de tomar posturas editoriais as quais preferir. O viés ideológico, aliás, caracteriza o maior jornal francês, Le Monde, abertamente simpático aos princípios socialistas. Os dois maiores periódicos americanos, The New York Times e The Washington Post, informam a cada pleito eleitoral, em editoriais, qual candidatura conta com sua preferência. Também nos Estados Unidos, a Fox News é francamente consonante com a linha do Partido Republicado, enquanto a CNN costuma manter-se mais próxima do Partido Democrata.
Não quero acreditar que o TSE aja com intenção de favorecer a candidatura de Lula. Cremos que o ocorrido no caso Jovem Pan decorra de uma confusão conceitual dos seus ministros, que, talvez pelo calor destes tempos polarizados, não tenham atentado para as diferenças entre fake news e opinião.
Outros semelhantes foram acontecendo nos últimos tempos, sem que as lideranças históricas da sociedade civil organizada levantassem a voz ou chamassem a atenção das autoridades para os caminhos tortuosos pelos quais os equívocos estavam conduzindo a sociedade. Silêncio ensurdecedor e, lamentavelmente, sintomático.
Acertadamente, repudiou a medida do TSE a Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão (Abert): “As restrições estabelecidas pela legislação eleitoral não podem servir de instrumento para a relativização dos conceitos de liberdade de imprensa e de expressão, princípios de nossa democracia e do Estado de Direito”. Na mesma direção posicionou-se a Associação Brasileira de Rádio e Televisão (Abratel).
Reitero, com base na Constituição, que o Tribunal Superior Eleitoral praticou censura. Eis o que diz o artigo 220 da Carta Magna: “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. Parágrafo Primeiro: Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. Parágrafo Segundo: É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
Claro está que a Constituição não autoriza calúnias, injúrias ou incitações ao crime, e tais casos contam com legislação específica para puni-los. Porém, não nos parece que o comportamento dos jornalistas da Jovem Pan ou da Brasil Paralelo se enquadre nesses tipos criminais, nem em tipo criminal algum.
O momento é oportuno para que se retome o debate sobre liberdade de imprensa e as leis brasileiras. Lembremos que a Lei 5.250, a antiga Lei de Imprensa, de 1967, foi retirada do ordenamento jurídico brasileiro pelo Supremo Tribunal Federal. O argumento para acabar com ela foi o fato de ter sido editada durante o período ditatorial e o não recebimento pelo novo sistema democrático da Constituição cidadã. Uma lei muitas vezes mal aplicada pelo regime de então, mas cuja ausência deixou um vácuo legal. O Judiciário vê-se obrigado a resolver questões de imprensa com base em leis genéricas, penais ou civis, e na Constituição – e a interpretação constitucional presta-se a divagações.
De todo modo, a censura à Jovem Pan e ao Brasil Paralelo constitui nada mais, nada menos, que censura prévia. Num caso de tal gravidade, rememoro frase dita pelo eminente advogado, especialista em meios de comunicação, Manuel Alceu Affonso Ferreira, a uma revista dirigida a operadores do Direito, anos atrás: “Censura prévia é inadmissível, a não ser naqueles casos teratológicos em que se revelaria fórmula da bomba atômica ou para impedir, por exemplo, a exposição de crianças”.
Devemos cuidar para que a verdadeira democracia seja sempre respeitada por todos os poderes constituídos, sob pena de sua transformação em demagogia, conforme nos ensina Aristóteles, sendo a liberdade de imprensa um de seus pilares fundamentais, de defesa inarredável por todos que entendem a importância de tal valor para a manutenção de uma sociedade livre.
Adib Kassouf Sad é advogado, secretário-geral da Caixa de Assistência dos Advogados de São Paulo. É membro da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Foi conselheiro secional e presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB SP.
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