"Engole o choro"; "aqui não é país de maricas"; "eu não sou coveiro". Tais adágios custaram alguns milhões de votos a Jair Bolsonaro, pois o eleitor comum, que prefere o pathos ao logos, tolera quase tudo, menos as impudicas palavras que reverberam a realidade diante de si, porque é mais confortável escondê-la na névoa em vez de enfrentá-la, como deve fazer o homem essencialmente maduro. Eis o mecanismo de defesa que é mais antigo do que andar para frente, que os seres fragmentados utilizam a fim de evitar o estresse, a dor e, sobretudo, o crescimento. Eles não querem ser adultos, mas eternos Peters Pans, diria Jordan Peterson.
Jair, o sincerão, como um homem deve ser, preferiu a sinceridade em vez da manipulação. Resultado: perdeu, mas transcendeu, isto é, no sentido não metafísico da coisa em si, segundo Kant, todavia, no sentido político, haja vista que o modus operandi dos sujeitos que fazem política no Brasil é o oposto praticado pelo ainda presidente Jair Bolsonaro ou, pelo menos, foi durante um momento.
Esse foi o pecado original de Jair, ainda que involuntariamente: trazer à luz obviedades retumbantes que as pessoas comuns não admitem sequer ouvir.
Transcendeu, primeiramente, porque ele não se moldou ao homem massa, termo utilizado pelo inexorável Ortega y Gasset em A Rebelião das Massas, como bem queria Fábio Faria, ministro das Comunicações, e Ciro Nogueira, ministro chefe da Casa Civil. Obviamente, seria mais pragmático que o presidente utilizasse floreios retóricos tecidos com vocabulário humanitário, que soariam como nobres gestos empáticos. Tal discurso iria ao encontro do homem que se deixa mover somente pelo coração, não pela razão, o homem comum, que se escandaliza com um, dois, talvez, três palavrões, mas não com um adulto nu diante de uma criança no museu.
Segundo, transcendeu porque trouxe à tona, mesmo que implicitamente, aquilo que Eric Voegelin, certamente o maior filósofo político do século XX, diz em A História das Ideias Políticas. O autor lembra que nas civilizações antigas, como Egito e Mesopotâmia, a ideia de “verdade" era a mesma da ordem social vigente. A noção de que uma verdade divina superior à verdade da sociedade seria acessível à consciência individual, mesmo contra a ordem social, só apareceria na Grécia. Certamente, esse foi o pecado original de Jair, ainda que involuntariamente: trazer à luz obviedades retumbantes que as pessoas comuns não admitem sequer ouvir.
Parece-me, a priori, que faltou prudência, dado que Tiago, o apóstolo, bem como Jordan Peterson, o famoso psicólogo clínico, advertem os homens desajeitados acerca da importância da língua. O primeiro, relata no capítulo 3 da epístola de mesmo nome que não se deve sair de nossa boca qualquer palavra torpe, mas somente aquelas que servirá para edificação. O segundo adverte em Maps of Meaning que devemos falar a verdade ou, pelo menos, não mentir, mas devemos ter cuidado com o logos, pois através dele podemos restabelecer a ordem ou o caos no Cosmo.
Olhe o primeiro capítulo de Gênesis, por consequência, o primeiro capítulo do Evangelho de São João, bem como o capítulo 8 de João, em que Cristo, o Deus encarnado, reverbera que é o grande “Eu Sou”, levando automaticamente os fariseus presentes a terem um pretexto para prendê-lo, ou seja, o mesmo logos que cria a ordem de Geneis 1 é o mesmo que cria o caos de João 8. Analogamente, podemos afirmar que a mesma sinceridade que levou Jair ao Alvorada, foi a mesma que os retirou de lá.
Jair, o sincerão-mor da República, preferiu o caos que traz a ordem em vez do logos que traz a ordem. Faltou equilíbrio? Sim, mas se houvesse equilíbrio já não seria Jair, mas um compelir. Parafraseando os Engenheiros do Hawaii em o Refrão de Bolero: o presidente Jair foi sincero como um político não pode ser.
Desse modo, Bolsonaro ficou entre a vitória com a honra manchada e a derrota com a honra. Jair, como um homem, preferiu a segunda opção. Assim, infelizmente ou felizmente, sinceramente eu não sei, depende de que lado você olha o prisma da realidade, ele não é um homem que constrói conceitos e regras com os rigores da lógica de Aristóteles, mas evoca imagens simbólicas de cunho linguístico que ferem como o mais preciso dos bisturis, especialmente, aquelas almas mais fracas.
Rodrigo Guimarães é estudante de Direito na Universidade Federal do Piauí.
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