Se você for ao Google e digitar hoje a palavra “Jamanxim”, possivelmente vai se deparar com um monte de fotografias aéreas de queimadas. Ou com um mapa, basicamente esverdeado, delineando um peculiar polígono de terras alongado no sentido norte-sul. De um lado irregular como o leito de rios e, de outro, uma linha retilínea que coincide com a folclórica BR-163.
Poucos chegarão, com o uso daquele oráculo, à conclusão de que o Jamanxim é, originalmente, um tipo de balaio. Uma cestaria indígena com tiras utilizada por nativos da Floresta Amazônica que prendem nas costas seus utensílios, raízes e o fruto de “colheitas” realizadas na floresta.
Olhando as fotos enevoadas pela fumaça, um número ainda menor de pessoas entenderá a dimensão e o valor pedagógico que a Floresta Nacional (Flona) do Jamanxim representa para o talvez insolúvel conflito entre o tão proclamado desenvolvimento e a conservação ambiental. Pelo menos no Brasil este é um encontro que ainda provoca faíscas e fogo.
Mais do que as nuvens de fuligem que emanam vindo a atingir cidades entre São Paulo e Montevidéu, outros fatores conectam o Sul brasileiro com o sul do Pará. E deles pouco se fala. Nem sequer são assunto nos inúmeros programas de tevê e reportagens escritas protagonizados pelo ministro do Meio Ambiente. Provavelmente por falta de leitura e estudo de dados históricos e demográficos.
Jamanxim agora é sinônimo de um balaio cheio de incompetências. O retrato de uma nação sem rumo
Quando o ministro Salles questiona o que as pessoas que estão lá no meio da floresta vão fazer, e do que elas vão viver, ele se “esquece” de fazer as perguntas principais: de onde as pessoas vieram? Quem ou que fenômeno socioeconômico as empurrou para lá? O que elas poderiam fazer para conviver com a floresta e dela retirar o melhor sem degradar e inviabilizar a própria existência?
Já em 2007, quando o conflito sobre o uso das terras que constituem a Flona do Jamanxim se arrastava por décadas, mergulhei por quase 30 dias naquela área para fazer o planejamento de “uso sustentável” da exploração florestal de uma área que o governo brasileiro dizia ser pública. Na ocasião, pelo menos sete ramais de estradas de terra já se aprofundavam atravessando a área protegida pelas novas leis ambientais. O maior deles tinha o nome de “Ramal Bortoluzzi”.
Não é preciso ser sociólogo para entender que o sobrenome com o qual foi batizada a estrada não é indígena, tampouco típico de tradicionais moradores sertanejos do Centro-Oeste ou Nordeste do Brasil. E daí se estabelece a pista de outra conexão, além da criada pelas nuvens de fuligem, entre a Região Sul e aquela região no Norte.
Sendo também um sulino originário do oeste catarinense, rapidamente reconheci o domínio lá estabelecido por meus conterrâneos. Em sua grande maioria oriundos de um eixo de exportação de desbravadores que liga o norte do Rio Grande do Sul ao sudoeste do Paraná, passando pelo interior catarinense.
- Amazônia: debate com muito fogo, mas pouca luz (editorial de 23 de agosto de 2019)
- O índio precisa ser realmente dono de sua terra (artigo de Marco Poli, publicado em 2 de setembro de 2019)
- O fogo na Amazônia e os discursos de internacionalização (artigo de Douglas Castro, publicado em 4 de setembro de 2019)
Graças ao linguajar rapidamente adaptado e à disposição para beber chimarrão fervendo, consegui não ser degolado, como prometeram quando chegamos a um hotel da cidade de Novo Progresso depois de quatro dias de estrada a partir de Curitiba. Era daqui a empresa responsável por levantar questões ambientais da Flona e planejar seu uso sustentável no epicentro de grave conflito.
Na época, a promessa era de que os imigrantes, que abriram a floresta a machado e motosserra assim que a BR-163 se estabeleceu, teriam do mesmo Estado que fomentou a migração o suporte para realizar a desejada regularização fundiária e o estabelecimento de regras para o desenvolvimento de atividades produtivas, incluindo a exploração florestal “sustentável”.
Não ocorreu! Ânimos seguiram se acirrando e oportunistas continuaram chegando em uma “corrida para o Oeste”, que no Brasil se dá em direção a outros pontos cardeais. A bomba estava armada. E o estopim foi aceso pelo novo mandatário de plantão que deu uma piscadela para a gente mal-intencionada que lá estava, fazendo explodir a bomba incendiária.
Enfim, Jamanxim agora é sinônimo de um balaio cheio de incompetências. O retrato de uma nação sem rumo. Onde políticos de direita, esquerda, do Sul ou do Norte, ignoram as questões mais profundas e se fazem de indignados sempre que um dirigente de outro país, de uma ONG ou de uma instituição científica sinaliza que algo tem de ser feito de novo. Um Novo modelo de Progresso, para eles, é coisa de quem quer entregar a pátria.
Tom Grando, biólogo, é especialista em Políticas Públicas pela Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional (Usaid).