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Conforme a pandemia foi avançando territorial e temporalmente nos primeiros meses de 2020, sem ainda termos o real alcance do estrago global que ela viria a ter, dispondo naquele momento apenas das duras medidas comportamentais e restrições governamentais, os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 foram resistindo, mesmo que o cenário já começasse a afetar os treinos dos atletas e colocasse em xeque torneios preparatórios e seletivas. O cancelamento parecia muito drástico, radical e desproporcional.
Aos poucos, com a pandemia se alastrando, se agravando e com os atletas afastados dos treinos por períodos cada vez mais prolongados, bem como seletivas canceladas, a manutenção dos Jogos se mostrava insustentável, inviável e até mesmo cruel com vários dos envolvidos. Então, no fim de março o anúncio oficial confirmou o que já se desenhava como inevitável. O fatídico ano de 2020 perdera também o maior evento do mundo.
O esporte ficou em stand by por muito tempo depois desse anúncio. Em alguns lugares mais, outros um pouco menos. Totalmente compreensível. Os olhos, alma e coração do mundo estavam nos hospitais. Nos jornais. Nos gráficos, números. Na esperança de uma vacina, de uma medicação, de uma solução. Brigamos, dividimos opiniões, crenças. Rezamos. Choramos. Vivemos um tormento de altos e baixos, de tristeza, de medo, de angústia. Tive contato? Será que estou tendo sintomas? Será que devo fazer teste? Será que saio desta internação? Sem falar naqueles ao nosso redor, com quem nos preocupamos mais que conosco. Será que meu pai vai melhorar? Será que meu irmão sai do tubo? Será que meus filhos um dia vão entender?
Isso tudo sem mencionar as particularidades surreais dos que mais viveram de fato esse caos todo. Nada se compara ao que passaram os da “linha de frente”. Dia e noite trabalhando Covid, pensando Covid, estudando Covid, e trágica e literalmente respirando Covid. Falta de vagas, de leitos, de ventiladores, de medicamentos, de insumos. Falta de colaboração, de compaixão de quem não via o que acontecia dentro de quatro paredes das alas hospitalares. Falta de ar.
Começamos a ouvir falar das vacinas. Seria possível? Acompanhamos ansiosamente a evolução dos estudos. Muitos de nós foram voluntários. Vibramos com o avançar das fases de testes, com os primeiros resultados positivos de eficácia. Ficamos tensos quando algum fato adverso era reportado e investigado. Para nós, brasileiros, a esperança se renovou muito fortemente em 2021, quando a vacina começou a chegar de fato aos nossos braços.
No entanto, logo vimos que as doses eram muito poucas para produzir efeitos populacionais. As entregas, irregulares. Novas variantes, mais preocupantes, sugiram inclusive em nosso próprio território. Jovens que eram poupados dos casos graves agora já não o eram mais. Novas e piores ondas. Média móvel de óbitos três vezes maior que no ano anterior. Novos momentos de angústia, de dúvida, de questionamentos. Mais tristeza e mais luto.
Em um cenário no qual partimos sempre da permissa de reduzir contato, interação, chance de contágio, é fácil e natural, em um primeiro momento, condenar a realização de um evento de grande porte. Afinal, por que os Jogos Olímpicos devem acontecer? Qual a sua essência? Qual a sua importância para o mundo e para a sociedade?
Os Jogos Olímpicos são a celebração da vida e das capacidades humanas. São sobre excelência, sobre perfeição e a busca da perfeição. São sobre amizade, respeito, justiça. Valores olímpicos. Após um ano e meio pensando em sobrevivência e chorando mortes, poderemos nos permitir o reencanto pela vida e pelo humano. É inspiração, é superação. Admirar os mais rápidos, fortes e resistentes do planeta, e levar um pouco disso para si.
Citius, altius, fortius. Que não só os atletas o sejam e o busquem, mas também cada um de nós. Mais fortes pra enfrentar o que quer que seja, mesmo uma pandemia.
Pedro Bruno Costa Murara é médico especialista em Medicina Esportiva e mestrando do Departamento de Medicina Translacional da Universidade Federal de São Paulo.