As Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ) são encontros internacionais de jovens, idealizados pelo papa João Paulo II, cuja “finalidade principal é a de colocar a Jesus Cristo no centro da fé e da vida de cada jovem, para que seja o ponto de referência constante e a luz verdadeira de cada iniciativa e de toda tarefa educativa das novas gerações” (Carta do papa João Paulo II sobre as JMJ de 1996).
Tivemos em Lisboa, entre os dias 1 e 6 de agosto, a mais recente JMJ. Primeiramente, deve-se destacar a grande afluência de jovens, de todas as partes do mundo: a missa de encerramento contou com a participação de 1,5 milhão de pessoas. Isso revela que a Igreja Católica, apesar de todos os seus problemas, ainda aparece como portadora do verdadeiro “elixir da juventude”: a Boa Nova do Evangelho de Jesus Cristo, a Nova e Eterna Aliança do Sacrifício da Cruz que redimiu a humanidade. O papa, seja ele quem for, é um símbolo da presença de Deus na terra, que ultrapassa em muito as virtudes e defeitos do sujeito que faz as vezes do Vigário de Cristo, e segue congregando as ovelhas do seu rebanho.
Não há “bem” fora do Bem, não há “verdades” fora da Verdade eterna, nem há verdadeira beleza sem a “Graça” divina.
Entretanto, nem tudo são flores. A última JMJ revelou também um bocado da decrepitude que assola a Igreja atual. Primeiramente, fomos surpreendidos pela declaração do bispo auxiliar de Lisboa, dom Américo Aguiar, “de que nós não queremos converter os jovens a Cristo, nem à Igreja Católica, nem nada disso, absolutamente” (sic). Contrariamente ao desejo de João Paulo II – que é simplesmente o reflexo do mandato de Cristo e da missão perene da Igreja Católica –, nosso bispo, organizador da JMJ – e que logo depois foi eleito cardeal da Igreja romana! –, se contenta com um ideal imanentista de congraçamento das várias religiões, com os irreligiosos, de louvor das “diferenças”... Em outras palavras, estamos diante do típico dialogismo que infectou a Igreja no pós-concílio, do esquecimento da tarefa eclesial primordial de evangelizar, do anúncio de que “Cristo é a nossa paz” (Ef 2, 4); as palavras do bispo lembram a velha heresia pelagianista, segundo a qual os esforços humanos poderiam nos salvar.
Em segundo lugar, causou imensa tristeza à alma católica o descaso na JMJ com as hóstias consagradas – que são cridas como o Corpo de Cristo –, que foram distribuídas na comunhão da missa de encerramento em vasos de plástico... Ademais, após a vigília da JMJ, na véspera da missa de encerramento, as hóstias consagradas ficaram guardadas – ainda que dentro de âmbulas – em caixas de plástico. Se for realmente impossível distribuir o Corpo de Cristo em vasos dignos nesses encontros multitudinários, então o prudente seria determinar a comunhão espiritual na ocasião, porque esta é mais de acordo com a piedade do que a irreverência com as coisas sagradas.
A última JMJ revelou também um bocado da decrepitude que assola a Igreja atual.
Outro motivo de tristeza foi a música eletrônica que despertou os fiéis no domingo, e que foi animada pelo padre DJ Guilherme, da arquidiocese de Braga. Se já não bastasse o inoportuno desse gênero musical num evento religioso, e numa circunstância que deveria ser de preparação espiritual próxima para a vivência contemplativa da missa, é muito constrangedor ver um padre numa atitude sensual, e um conjunto de bispos desorientados, vagando pelo local e topando com uma moça que rodopiava e executava um balé moderno. Tal padre DJ já animara uma festa com temática pagã aos moldes do "dia das bruxas", na sexta-feira 13 de maio de 2022, dia de Nossa Senhora de Fátima (este vídeo, ou outro de uma festa “nova era” na praia podem ser vistos no próprio canal de YouTube do padre). Ele também já defendera, em entrevista num podcast, um completo relativismo subjetivista a respeito da moral sexual (“é a pessoa que sabe se o que fez no âmbito sexual lhe tira a dignidade de ser humano ou não”). É lastimável que esse tipo de gente seja escolhido pela organização para animar a juventude católica.
Na realidade, é lamentável que alguém possa seguir no ministério sacerdotal com esse tipo de comportamento indevido e pensamento herético. Os jovens, que deveriam “repousar em verdes pastagens e ser conduzidos a águas tranquilas” pelos bons pastores (cf. Sl 24, 2), na realidade são “levados como ovelhas ao matadouro” (cf. Sl 43, 23; Rm 8, 36).
Que os pastores da Igreja e a juventude reencontrem o sentido da adoração, para que o mundo reencontre a esperança
Voltando ao sentido das JMJ, observamos que, no seu discurso no acolhimento, o papa Francisco havia dito que “na Igreja há espaço para todos... todos, todos, todos”, e que os jovens fazem perguntas, manifestam sua “inquietude”. Recordo-me do famoso “jovem rico” do Evangelho que perguntou a Jesus: “Mestre, que devo fazer de bom para alcançar a vida eterna?” (Mt 19, 16); em outros termos, mais comuns, o que devemos fazer para sermos realmente felizes? Como dissera Aristóteles na Ética a Nicômaco, “todos visam o bem” (L. I, n.1), e “o bem supremo é a felicidade” (L. I, n. 4).O papa João Paulo II tratou admiravelmente o tema na sua encíclica Veritatis Splendor (VS), tão ignorada hoje em dia na Igreja. Acompanhando a reflexão do papa polonês, diremos que o jovem e o homem de hoje ainda se voltam para Cristo, o Mestre, ainda procuram a Igreja para obter a resposta sobre o que é o bem e o mal (cf. VS, n. 8).
Aquele era um jovem reto, mas que se sentia existencialmente frustrado, como se lhe faltasse algo essencial. Quem de nós poderia dizer, como aquele jovem, que “cumpre todos os mandamentos” ou que é íntegro (cf. Mt 19, 20)? A todos, entretanto, Jesus responde que “só Deus é Bom” (cf. Mt 19, 17); não como se dissesse que não há bem além de Deus, mas ensinando que não o há fora de Deus. Quando o jovem pergunta o que lhe falta, e Jesus lhe diz que para ser “perfeito” (como sinônimo de “feliz”, “acabado”, “bem feito”, “pleno”, e não como “religioso” ou “consagrado”), ele deveria vender seus bens, dá-los aos pobres e segui-lo, o jovem saiu triste (cf. Mt 19, 21-22). É que sua segurança estava na riqueza que possuía, e não no Bem; e ele, paradoxalmente, preferiu não perder os bens e assim não ganhar o Bem...
Não há “bem” fora do Bem, não há “verdades” fora da Verdade eterna, nem há verdadeira beleza sem a “Graça” divina. Todo jovem, toda pessoa humana busca a Graça que dá sentido à existência, o Pedagogo que conduz à verdade, o Sal que dá sabor à vida, a Luz que nos salva da tristeza e aquece nossos corações. Mas o que acontece se o necessitado do Pão da Vida recebe dos homens da Igreja a pedra de tropeço da sensualidade, e se o desejoso do Princípio recebe o veneno do mundanismo (cf. Mt 7, 9-11; Lc 11, 11-13)? Os pais humanos, “que são maus”, não fazem isto; o que diabos estão a fazer os padres?! O que acontece se o sal da terra perde o sabor, se não quer mais converter ninguém (cf. Mt 5, 13)? A juventude se frustra, e o próprio sonho de “um mundo melhor” do clero progressista e imanentista simplesmente cai por terra. Não é casual que nossa época conheça tanto distúrbios psicológicos entre os jovens, a solidão e a fuga através do divertimento vazio, da aparência das redes sociais, que nós tenhamos atualmente uma alta incidência da depressão e de outras enfermidades mentais, e inclusive uma triste estatística de suicídio... Tudo isso invade a juventude e torna amarga a vida; a falta de sentido ou o niilismo se implanta na cultura humana.
O psiquiatra Viktor Frankl, em sua doutrina da logoterapia (terapia do sentido), dizia que a falta de sentido era o grande problema da vida moderna, e que o sentido poderia ser encontrado de três formas: um amor, uma tarefa e a aceitação paciente do sofrimento. Em Cristo nós vemos estas três possibilidades unificadas: uma missão amorosa e sacrificial pela qual saímos ao encontro dos demais para compadecer-nos e anunciar a esperança de um amor paciente que tudo alcança, como diria Santa Teresa D’Ávila. A antiga Missa Romana (chamada “Tridentina”) inicia com o sacerdote recitando o Salmo Júdica me: “E eu vou me aproximar do altar de Deus, do Deus que é a alegria da minha juventude” (Sl 42, 4). Que os pastores da Igreja e a juventude reencontrem o sentido da adoração, para que o mundo reencontre a esperança: “Por que hás de estar triste minha alma? Espera em Deus, eu ainda o louvarei” (Sl 42, 5).
Joathas Bello é doutor em Filosofia pela Universidad de Navarra e autor do livro “O Enigma do Concílio Vaticano II".