"Prendo a respiração, tento puxar o ar pela boca, mas o cheiro dos cadáveres em decomposição invade todos os meus sentidos. Volto alguns passos, penso em não olhar. Mas, como jornalista, sinto o dever de escancarar a realidade crua. Na escola, há pelo menos dez corpos insepultos, na quadra de futebol, ao sol. Pobreza, porcos misturados a pães, arroz e bananas e trânsito confuso sempre fizeram parte do dia a dia dos haitianos. Até o cheiro forte da comida temperada e exótica é antigo conhecido dos brasileiros. A diferença, agora, é que tudo isso está misturado ao cheiro de morte. Assim é o Haiti. Homens e mulheres que podem sofrer tragédias violentas uma ou duas vezes, ou até três – e depois sofrer ainda mais".

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O relato em primeira pessoa do jornalista Rodrigo Lopes, repórter multimídia e correspondente internacional do Grupo RBS, mostra a garra da reportagem de qualidade. A adrenalina da guerra, o infindável sofrimento de povos castigados pela força misteriosa da natureza, o registro de momentos de admirável grandeza moral, um impressionante mosaico do drama humano, batem forte no leitor. O texto está despido de sensacionalismo, mas está carregado de paixão. E o que seria do jornalismo se faltasse o fascínio do repórter com seu ofício? Rodrigo Lopes não é um espectador neutro da história. Ainda bem. Derramou lágrimas. Manifestou indignação. Vibrou com fagulhas da vida humana. Guerras e tormentas é um mergulho do repórter nos principais acontecimentos deste início de século. Vale a pena.

"23 horas do dia 5 de abril, uma terça-feira. Sentado no chão gelado de paralelepípedos da Via Della Conciliazione, sinto-me como uma ilha, cercada de gente por todos os lados. Para onde olho, há pessoas chorando, rezando, cantando." A multidão passa diante do corpo do papa. "São 5h48. Um arrepio percorrre o meu braço direito. Estático a dois metros de João Paulo II, é como se o tempo parassse. Os fiéis passam por mim. Prendo o passo, ando devagar, para que o guarda não perceba que quero ficar mais tempo. Ganho uns 15 segundos extras. Mas não é mais possível ficar. Um segurança se aproxima e interrompe meu êxtase. Proibido celular – ele diz. Os 10 minutos mais emocionantes da minha vida se encerram em duas frases, ao vivo para o sul do Brasil: Tenho de desligar a pedido de um segurança. Voltamos a qualquer momento... Sigo caminhando, à direita do caixão. Tempo apenas para uma foto. Ao sair da basílica, o azul matutino do céu de Roma se abre na praça. Meu telefone toca: ‘Seu f.d.p., me fez chorar!’ Do outro lado da linha, Luciano Wilson, meu amigo de infância, o Jesus das encenações da via sacra do nosso bairro, nos tempos do grupo de jovens da igreja."

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Ninguém resiste à magia da reportagem. Sua revalorização e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas das empresas de comunicação. É preciso seduzir o leitor com matérias que rompam com a monotonia do jornalismo declaratório. Menos Brasília e mais vida. Menos aspas e mais apuração. Menos frivolidade e mais consistência. Além disso, os leitores estão cansados do baixo astral da imprensa brasileira. A ótica jornalística é, e deve ser, fiscalizadora. Mas é preciso reservar espaço para a boa notícia, para o empreendedorismo, para a inovação.

O leitor, em qualquer plataforma, evita os produtos sem alma. Recusa as tentativas de engajamento ideológico. Quer matérias interessantes, pautas próprias. Quer um jornalismo rigoroso, mas produzido com paixão.

Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (Iics).